quarta-feira, 8 de julho de 2009

Que orgulho é esse?

(depois que São Paulo chegou aos 450)
Por Carlos Aranha – 28/01/04
“Música nordestina, comida nordestina, estão infestando a nossa terra. Como podemos levar a sério um povo que tem como seu ídolo um bandido estuprador, que é Lampião?”.
Este é um trecho de manifesto que um grupo de “skinheads” colocou na Internet, num “site” chamado “Orgulho paulista” pregando a expulsão dos nordestinos da cidade de São Paulo.
Outro trecho: “É claro que São Paulo é dos paulistas e não dos nordestinos. Portanto, temos que lutar para a sobrevivência dos nossos costumes e da nossa cultura, pois não estão nem aí com o futuro de nossa terra”.
Como paraibano, me dói constatar que podem se multiplicar grupos preconceituosos de jovens desinformados, estúpidos e violentos, sequer sabendo que as duas grandes canções de louvor a São Paulo são assinadas por nordestinos: “Sampa” e “São São Paulo, meu amor” - de Caetano Veloso e Tom Zé, respectivamente.
Esse “site” (já retirado do ar pelo provedor, depois de medida judicial) preocupa porque não é manifestação isolada. Anteriormente, um estudante da USP, André Schmidt, foi indiciado por racismo depois de propor, também pela Internet, o retorno dos nordestinos que chegam ao Terminal Rodoviário do Tietê.
Não esquecendo ameaças terroristas a uma emissora de rádio com programação dirigida aos nordestinos residentes em São Paulo (onde nosso Flávio José fez sucesso com “Tareco e mariola”).
A Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo tentou processar por racismo o grupo responsável pelo “Orgulho paulista”, mas não conseguiu identificar seus autores.
Acho que somente ações policiais e judiciais não conseguirão deter a gradual multiplicação de grupos assim. Eles são “apenas” mais uma ponta da violência juvenil gerada pelo fracasso do modelo socioeconômico brasileiro.
Um governo que, depois de Fernando Henrique Cardoso, também já aderiu ao discurso do “fim das ideologias” (a partir das “new faces” comandadas por José Dirceu) e que pouco faz pela geração de empregos - apesar do presidente Lula, quando candidato, há quase um ano e meio, ter prometido a dez milhões -, colabora com o aumento da violência na juventude (o racismo e todos os preconceitos fazem parte do quadro).
Cá entre nós, quantos paraibanos, baianos e outros nordestinos de valor - anônimos ou não - temos em São Paulo, ajudando a buscar soluções para uma metrópole em tensão permanente pela diminuição da qualidade de vida, mesmo com a Rede Globo tendo dourado a megapílula dos 450 anos durante uma semana?...
Não custa lembrar novamente (como fiz nesta coluna em 6 de janeiro) que, no dia 14 de dezembro passado, dois estudantes foram obrigados a saltar de um trem em movimento por três skinheads, em Mogi das Cruzes, SP. Um deles - Flávio Augusto - teve o braço direito decepado. O outro - Clayton Leite - morreu, com traumatismo craniano e perda de massa encefálica.
Lembro também que em fevereiro de 2000, na Praça da República, em São Paulo, cerca de 30 "carecas" espancaram até a morte um homossexual adestrador de cães. Fizeram isso pelo prazer de matar "um gay a mais".
Repito a observação do dia 6: não por mera semelhança e coincidência, esses skinheads assassinos são jovens de classe média e abortos de uma civilização metropolitana em explícita decadência.
Carlos Aranha é jornalista e colunista do jornal Correio da Paraíba.
http://www.fenajufe.org.br/art/que.htm

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