Crescido em cidade pequena, caí de costas quando tinha seis anos e passeei pela primeira vez em São Paulo. Naqueles dias meu pai me levou para andar pelo Vale do Anhangabaú, comprar bobagens no Mappin, ouvir a massa sonora deliciosa que se forma por aqueles lados do Grande Gigante Cinza. Ainda está muito viva em mim a sensação de atordoamento, pois depois que eu vim para o Rio eu voltei a senti-la a cada vez que piso em São Paulo.

Foi isso que a cidade despertou em mim: senti-me pequeno, abestado, deslumbrado. A cada vez que eu ia para lá, algo diferente me fascinava: o mar de carros, o metrô (nem precisava acenar para ele parar!), a voz no rádio (as estações de A.M. eram muito melhores que as de Botucatu). Havia lojas que vendiam de tudo. Os sotaques eram muitos e todas as cores do universo se escondiam no meio do onipresente cinza.

Quando voltei quase adulto, a segunda impressão foi ainda melhor: encantou-me a diversidade que ali parecia possível. Ok, eu era provinciano e estava acostumado à divisão entre tribos da minha cidade - e por isso você pode não entender o valor que atribuí a essa descoberta. Meus primeiros passeios sozinho pela Avenida Paulista foram como o começo pra valer da minha vida — o momento em que eu estava começando a enxergar o que o mundo era e o que ele poderia ser. Punks, hare krishnas, headbangers, gays, indies e nerds com óculos de acetato e — mais incrível de tudo! — até as pessoas mais comunzinhas. Eu desejei ser tragado por aquela cidade.

Preciso dizer que me mudei para lá e me lasquei? Espero que não. Não tardou para que eu percebesse que para morar em São Paulo é preciso ter cascalho, tutu, arame — GRANA! E eu era estudante, oras. Estava vendendo o almoço para comprar o jantar. Para aproveitar a noite, o negócio era gastar o dinheiro em vodca e só beber água da pia do banheiro. Tosco, eu sei; no entanto, eu juro que valia a pena pelas loucas noites daquela época.

Mas a idade avançou, o trabalho me consumiu e eu botei tudo de ruim na conta de São Paulo. Por algum tempo, fiquei cego e ignorei tudo que eu tanto amava: as festas, a rua Augusta, os desjejuns fartíssimos dos cafés e padarias, as caminhadas pela Vila Mariana, o bairro da Liberdade, o Mercadão, os milhares de restaurantes de todos os lugares, a maior tolerância à diferença.

Agora, longe do Grande Gigante Cinza, sinto saudade disso tudo. E não só: percebo que sinto falta de coisas que eu desprezava, como a seriedade e a organização — que são motivos de galhofa no resto do Brasil. Sinto falta da possibilidade de estar sozinho, trancado dentro de seu apartamento, sem que o mundo lá fora lhe pressione para mergulhar em um interminável oba-oba. E talvez essa seja, afinal, a grande vantagem de viver em uma terra como São Paulo: poder viver a maior parte de seus dias em um padrão (ou rotina) cinza, monocórdico, e se deixar surpreender ocasionalmente pelas cores.


http://www.palomaris.com/floresemvida/2008/09/14/a-cinza-ali-do-outro-lado-da-dutra/