O
grupo dos onze consistia na
organização de
"grupos de onze companheiros" (como em um time de
futebol) ou
"comandos nacionalistas" liderados por
Leonel Brizola, em fins de novembro de 1963.
Em outubro de
1963,
Leonel de Moura Brizola, então governador do
Rio Grande do Sul,
considerava que o Brasil estava vivendo momentos decisivos e que,
rapidamente, se aproximava o desfecho que poderia colocar o país numa
nova linha política.
Sucessivamente, em 19 e 25 de outubro, Brizola fez inflamados
pronunciamentos à nação, através dos microfones de uma cadeia de
estações de rádio liderada pela
Mairink Veiga,
que detinha, na época, o maior percentual de ouvintes das classes média
e baixa. Nesses pronunciamentos, conclamou o povo a organizar-se em
grupos que, unidos, iriam formar o "Exército Popular de Libertação"
(EPL). Comparou esses grupos com equipes de futebol e os 11 "jogadores"
seriam os "tijolos" para "construir o nosso edifício". Estavam lançados
os "Grupos dos Onze" (G-11) que, para Brizola, constituir-se-iam nos
núcleos de seu futuro exército, o EPL.
Os G-11 seriam a "vanguarda avançada do Movimento Revolucionário", a exemplo da "
Guarda Vermelha da Revolução Socialista de
1917 na
União Soviética".
Os integrantes dos G-11 deveriam considerar-se em "Revolução Permanente
e Ostensiva" e seus ensinamentos deveriam ser colhidos nas "Revoluções
Populares", nas "Frentes de Libertação Nacional" e no "folheto cubano"
sobre a técnica de
guerrilha.
No início de
1964,
Brizola lançou seu próprio semanário, "O Panfleto", que veio se
integrar à campanha agitativa já desenvolvida pela cadeia da Rádio
Mairink Veiga. Em outras ocasiões, distribuiu diversos outros documentos
para a organização dos G-11, tais como as "Precauções", os "Deveres dos
Membros", os "Deveres dos Dirigentes", um "Código de Segurança" e
fichas de inscrição para seus integrantes. Chegou a organizar 5.304
grupos, num total de 58.344 pessoas, distribuídas, particularmente,
pelos Estados do Rio Grande do Sul,
Guanabara,
Rio de Janeiro,
Minas Gerais e
São Paulo.
Para Brizola, a revolução estava madura, pronta para ser
desencadeada. Só faltava algum simples episódio que inflamasse o povo e
que fizesse proliferar os Grupos dos Onze, provocando o surgimento do
"Exército Popular de Libertação".
A citação do Gr-11, possivelmente nos arquivos da ditadura, foi
tornado público através do site da jornalista Mariza Tavares, abaixo
transcrita:
No fim de 1963, em meio à crescente radicalização do ambiente
político do governo de João Goulart, Leonel Brizola era a liderança que
unificara as esquerdas na Frente de Mobilização Popular. Entrincheirado
na Rádio Mayrink Veiga, onde discursava todas as noites, ele pregava a
criação dos Grupos de Onze Companheiros, compostos por cidadãos que
marchariam unidos quando a esquerda tomasse o poder. A CBN teve acesso a
documentos daquela época – que estavam em poder dos militares – que
detalham como Brizola idealizou os Grupos de Onze: uma militância que
pretendia utilizar mulheres e crianças como escudos civis; realizar
ataques a centrais telefônicas, de rádio e TV; e previa a execução de
prisioneiros.
"Este é o documento a que me referi. O Exército não sabe que este
dossiê ainda existe, porque foi dada uma ordem para que fosse
destruído." Este era o texto do curto bilhete que acompanhava o pacote
que recebi pelo correio, enviado por uma ouvinte fiel da CBN. Dentro, um
calhamaço de 64 páginas já amareladas, no qual chamava atenção o
carimbo no alto, em letras garrafais: SECRETO. A ditadura militar
brasileira incinerou regularmente documentos sigilosos. Este dossiê
estava em poder de um militar que preferiu desobedecer à ordem e decidiu
guardar os papéis em casa.
Datado de 30 de setembro de 1964 e assinado pelo general-de-brigada
Itiberê Gouvêa do Amaral, o documento ostenta a classificação A-1, que
até hoje é utilizada pela área militar e que significa que é de total
confiança. A classificação varia de A a F para a confiabilidade da
fonte; e de 1 a 6 para a confiabilidade do conteúdo.
No tom formal e meticuloso típico dos relatórios dos serviços de
inteligência, o texto de abertura, a circular de número 79-E2/64,
anunciava que havia sido identificada a criação de diversas células dos
chamados "Grupo de onze companheiros" no interior do Paraná e de Santa
Catarina.
"Os grupos constituíam a célula de um grande contingente, no qual
seriam arregimentados homens das mais variadas categorias e profissões
para servirem de instrumento a um pseudolíder, Leonel Brizola, em sua
política de subversão do regime e implantação de um Governo de
tendências antidemocráticas", explicava o documento.
Os militares já haviam deposto o presidente João Goulart e tomado o
poder naquele ano; e a circular festejava a ação ao afirmar,
categoricamente, que, "com o advento da revolução de 31 de março, foi
cortado o processo ainda na fase inicial". No entanto, o documento
assinalava: "Há indícios de que, no futuro, possa ser novamente
equacionada a reestruturação dos grupos." Leonel Brizola já se
encontrava no exílio no Uruguai desde maio daquele ano, mas a circular
assinalava que havia informes de contatos entre "antigos elementos" que
integravam esses grupos. Daí a necessidade de mobilização de oficiais
para mapear qualquer atividade suspeita.
Jorge Ferreira: "Houve quem se inscrevesse apenas porque gostava de
Brizola. Teve gente que pôs até o nome de filhos pequenos nas fichas de
inscrição."
Os chamados Grupos de Onze Companheiros – simplificadamente, Grupos
de Onze ou Gr-11 – e também conhecidos como Comandos Nacionalistas foram
concebidos por Brizola no fim de 1963. Tomando por base a formação de
um time de futebol, imagem de fácil assimilação e apelo popular, Brizola
pregava a organização de pequenas células – cada uma composta de onze
cidadãos, em todo o território nacional – que poderiam ser mobilizadas
sob seu comando.
Jorge Ferreira, professor-titular de História da UFF (Universidade
Federal Fluminense), doutor em História Social pela USP (Universidade de
São Paulo) e autor do livro "O imaginário trabalhista", explica que um
dos poucos documentos disponíveis sobre o Grupo de Onze é o modelo de
ata de adesão. "Há poucos estudos sobre este movimento e praticamente
não há documentação a respeito. As atas, com os dados dos participantes,
eram enviadas para a Rádio Mayrink Veiga e depois ficaram em poder da
repressão.
Como os Grupos de Onze foram criados no fim de 1963, o clima de
radicalização já se generalizara. A imprensa também supervalorizava sua
capacidade de ação, mas a verdade é que houve quem se inscrevesse apenas
porque gostava de Brizola e nunca teve participação efetiva. No Sul,
muitos achavam que iam ganhar terra, sementes. Teve gente que pôs até o
nome de filhos pequenos nas fichas de inscrição."
O dossiê a que a CBN teve acesso disseca o manual de ação desses
militantes e foi criado quando Brizola, eleito deputado federal pelo PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro) com 300 mil votos – até então, o mais
votado da antiga Guanabara – ocupou quase que diariamente o microfone da
Rádio Mayrink Veiga entre 1962 e 1963. A tradicional emissora do antigo
Distrito Federal, existente desde 1926, funcionava como palanque para
Brizola, que ali destilava inflamados discursos pela aprovação das
reformas de base – pilar do governo João Goulart e que compreendiam da
reforma fiscal à agrária, com a desapropriação de terras de grandes
proprietários rurais. E garantia que elas seriam aprovadas, "na lei ou
na marra".
A Mayrink Veiga estava tão identificada com o projeto político
brizolista que uma cópia do documento assinado pelos integrantes de cada
recém-criado Gr-11 deveria ser enviada para a emissora. A militância da
Mayrink Veiga provocou uma reação dos empresários de comunicação
Roberto Marinho (Rádio Globo), Manoel Francisco Nascimento Brito (Rádio
Jornal do Brasil) e João Calmon (Rádio Tupi): a criação da Rede da
Democracia, uma cadeia radiofônica para combater a política do
presidente Jango. Também selou sua sorte: a emissora foi fechada pelo
presidente militar Castelo Branco um ano depois da queda de João
Goulart.
O documento é composto de anexos que detalham o modus operandi dos
Grupos de Onze. O primeiro deles tem cinco páginas dedicadas aos
"companheiros nacionalistas", numa espécie de cartilha para a promoção e
organização de um comando nacionalista. Na abertura, uma afirmação
categórica de vitória: "A ideia de organização do povo em Comandos
Nacionalistas (CN) ou em Grupos de Onze (Gr-11) está amplamente
vitoriosa. Milhões e milhões de patriotas integram os Comandos
Nacionalistas formados em todo o território pátrio: a palavra de ordem,
organizados venceremos, penetrou na consciência de todos os
nacionalistas brasileiros."
Para organizar um Gr-11, a primeira providência era a leitura e o
estudo das instruções, "quantas vezes forem necessárias até uma segura
compreensão dos fins e objetivos da organização." A etapa seguinte era
"procurar os companheiros com os quais têm convivência e ligações de
confiança". Vizinhos ou colegas de trabalho eram os mais indicados, e
sempre em grupos reduzidos, de três ou quatro pessoas. Diante de
receptividade para a ideia de organizar um Gr-11, "tal decisão
significará um verdadeiro pacto de solidariedade e confiança entre os
companheiros."
O objetivo era reunir 11 pessoas, mas as instruções reconhecem que
arregimentar este contingente poderia ser um pouco difícil e estabelece
que, com sete integrantes, a célula de militantes poderia começar a
atuar. Ao alcançar este quorum mínimo, o grupo é fundado oficialmente e,
depois da leitura do manual e do "exame da situação política e da crise
econômica e social que estamos atravessando", é escolhido o dirigente
do Gr-11; seu assistente – e eventual substituto – e o
secretário-tesoureiro. "Tomadas estas decisões", prosseguem as
instruções, "proceder à leitura solene, com todos os onze companheiros
de pé, do texto da ata e da carta-testamento do presidente Getúlio
Vargas." Os integrantes devem assinar seus nomes logo abaixo da
assinatura de Vargas e do seguinte texto: "O presidente Vargas
sacrificou sua vida por nós. Nosso sacrifício não conhecerá limites para
que o nosso povo, de que ele foi escravo, conquiste definitivamente sua
libertação econômica e social." Entenda-se que a "libertação" passava
por reforma agrária e fim da espoliação internacional.
A primeira reunião formal do grupo tinha objetivo bem burocrático:
montar a estrutura do Gr-11. As funções estão bem detalhadas e cada
integrante tem um papel específico (esta é a transcrição da descrição
das tarefas):
Líder, dirigente ou comandante: representa, orienta e coordena as
atividades do grupo, de acordo com as instruções partidárias e os
objetivos da organização. Está previsto que seu mandato será a duração
de um ano;
Assistente: prestar colaboração direta ao dirigente ou comandante do grupo, substituindo-o em seus impedimentos;
Secretário-tesoureiro: responsável pela gestão dos recursos
financeiros e guarda de papéis e documentos (líder, assistente e
secretário-tesoureiro formam a comissão executiva do Gr-11);
Comunicações: dois integrantes ficam encarregados das comunicações,
que englobam a troca de informações entre os elementos do Gr-11,
inclusive no caso de ser preciso avisar aos companheiros sobre a
necessidade de esconderijo ou fuga;
Rádio-escuta: acompanhamento pelo rádio dos acontecimentos nacionais e locais;
Transporte: coordenação das possibilidades de transportes para os membros do grupo no caso de atos e concentrações públicas;
Propaganda: responsável por faixas, boletins, pichamentos, notícias para a imprensa;
Mobilização popular: contatos e ligações com o ambiente local,
visando a formar um círculo de relações e colaboração em torno do grupo,
principalmente para garantir o comparecimento em comícios ou outros
atos públicos;
Informações: atribuição de fazer contatos e o levantamento de
informações sobre a situação política e social, além de outros problemas
que interessem o grupo. Também fica responsável pela organização
partidária local;
Assistência médico-social: o companheiro deve ser, se possível,
médico, enfermeiro ou assistente social, "ou no mínimo com alguma noção
ou treinamento para prestar assistência ou orientação a todas as pessoas
necessitadas no ambiente onde atuar o Comando Nacionalista (por
exemplo, aplicar injeção, conseguir medicamentos, curativos de
emergência)".
A proposta era criar sucessivos grupos de 11 integrantes até atingir
11 células com estas características, quando, como relata o documento,
"seus onze líderes formarão um Gr-11-2, isto é, um grupo de onze de 2º.
nível, reunindo um total de 121 companheiros."
Esta seria a matriz de multiplicação dos comandos nacionalistas: os
11 líderes escolheriam, entre si, um comandante de segundo nível, cuja
responsabilidade seria a coordenação dos onze grupos; e os outros dez
companheiros deste Gr-11-2 dariam apoio ao novo chefe. Mas nada de parar
por aí, porque cada nova célula deveria perseguir sua clonagem ao
infinito: "se num município, numa cidade, área ou bairro, se organizarem
onze grupos de onze, portanto um Gr-11-2 e depois onze grupos de 2º.
nível, teremos um total de 1.331 companheiros na organização, os quais
serão orientados e dirigidos por um Gr-11-3, ou seja, um grupo de onze
de 3º. nível, integrado pelos onze líderes dos grupos de 2º. nível."
As "recomendações gerais" sugerem que os Gr-11 deveriam ser
integrados inicialmente por companheiros de "maior capacidade de direção
e liderança". Os demais grupos seriam compostos por militantes de
capacidade "aproximada ou igual". O documento frisa que o movimento
recebe, de braços abertos, gente de todas as procedências: "No mesmo
Gr-11 poderão estar um trabalhador da mais modesta atividade, ao lado de
um médico; um trabalhador ou técnico especializado, um estudante, um
agricultor, um intelectual, um motorista, ao lado de um camponês, um
militar."
O contato com a liderança nacional era de responsabilidade de um
delegado de ligação (DL); enquanto não chegavam novas instruções, cabia
ao Gr-11 realizar reuniões para estreitar os laços entre seus militantes
e analisar a conjuntura, além de buscar adesões em sua área de atuação.
"Os companheiros devem estimular, particularmente, a formação de Gr-11
entre a mocidade e estudantes. É da maior significação esse ponto das
presentes instruções. A nossa causa depende fundamentalmente do apoio e
da integração dos jovens e das classes trabalhadoras."
Embora não fizesse restrições a analfabetos, a arquitetura dos Gr-11
praticamente ignorava uma militância integral das mulheres: "As
companheiras integrantes do Movimento Feminino ou simpatizantes devem
formar seus próprios Gr-11. Oportunamente serão enviadas instruções
especiais sobre a estrutura desses grupos de companheiras."
O chamado Anexo C é composto de documentos de Leonel Brizola com o
sugestivo título de "Subsídios para a Organização dos Comandos de
Libertação Nacional". Tem oito seções, todas subdivididas num minucioso
roteiro para a militância. E começa pelo nome a ser dado ao grupo. No
capítulo "Denominação", há cinco sugestões, por ordem preferencial:
Comandos de Libertação Nacional (Colina); Comando Revolucionário de
Libertação Nacional (Corlin); Comando Revolucionário dos Onze (Cron);
Comando de Libertação Brasileira (Colb); e Comando dos Onze
Revolucionários (Core).
O capítulo seguinte é o da "Justificativa": "A palavra
revolucionária, como é sabido, exerce poderosa atração nas pessoas entre
17 e 25 anos – fator que servirá à etapa de arregimentação". O
documento aposta na força de atração do termo: "A sigla onde aparece a
ideia de revolução pode, com maiores possibilidades, ser difundida com
certo mistério e mística de clandestinidade, complementada por
instruções secretas, senhas, códigos, símbolos etc...", diz o texto que
exibe rudimentos de técnica de marketing e motivação.
Vitor Borges: "Os militares queriam saber como pretendíamos envenenar
o reservatório de água e perguntavam onde estavam os sacos de veneno."
O gaúcho Vitor Borges de Melo, natural de Alegrete, cidade que fica a
cerca de 500 quilômetros de Porto Alegre, é um bom exemplo de
arregimentação de jovens que queriam um pouco de ação. "Eu e meus
companheiros éramos simpatizantes de Brizola desde a Cadeia da
Legalidade, em 1961. Eu já tinha me apresentado como voluntário nesta
época. Depois passei a acompanhar os discursos na Rádio Mayrink Veiga e
decidi entrar para o Grupo de Onze. Todos usavam nomes de guerra e o meu
era Tavares." Aos 63 anos, embora seja citado como ex-integrante do
Gr-11, Vitor na verdade só se lembra de ter participado de uma reunião.
Mesmo assim ficou preso, incomunicável, por 31 dias. "Os militares
queriam saber como pretendíamos envenenar o reservatório de água de
Alegrete e perguntavam onde estavam os sacos de veneno. Não sei de onde
tiraram isso, como é que faríamos uma coisa dessas?", lembra Vitor, hoje
aposentado, filiado ao PTB e beneficiado, pela Lei da Anistia, com uma
indenização de R$ 12 mil. Provavelmente, por só ter ido a uma reunião,
Vitor não foi "iniciado" em todas as propostas de ação do movimento.
No dossiê, a delimitação de áreas de ação é meticulosa e pretende
cobrir todo o território nacional. Do contingente inicial de 11 membros,
a proposta é multiplicá-los de forma que um distrito tenha 11 unidades
de 11 membros, contabilizando 121 almas. A província terá 22 distritos,
ou 2.662 membros; e a região será composta por 11 ou mais províncias,
com 29.282 membros. O documento divide o país em sete regiões, mas
exclui a Região Norte, provavelmente por problemas de logística:
1ª. Região: Guanabara, Rio de Janeiro e Espírito Santo;
2ª. Região: Bahia e Sergipe;
3ª. Região: Minas Gerais;
4ª. Região: São Paulo e Paraná;
5ª. Região: Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
6ª. Região: Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte;
7ª. Região: Ceará, Piauí, Maranhão e Fernando de Noronha.
A estrutura administrativa nacional também previa um organograma que
contava com um comandante supremo (CS); dois inspetores regionais (IN); e
oito conselheiros regionais (CR), uma elite de burocratas encarregados
de escolher, nomear ou destituir as camadas inferiores de militantes.
Mas, abaixo deles, também havia espaço para muita gente se acomodar.
O desenho da burocracia interna do poder é rico em categorias e
deixaria qualquer analista de RH impressionado com o número de cargos.
Sob a estrutura nacional, há estruturas administrativas regionais,
provinciais e distritais, com direito a chefias, secretarias-executivas,
assessorias e monitorias. Ao todo, são listados 32 cargos de alguma
relevância – uma longa carreira que se descortinava para os aspirantes à
militância.
Especialmente suculento é o capítulo sobre instruções gerais aos
companheiros que quisessem organizar um Gr-11. Uma das principais
preocupações diz respeito à seleção de indivíduos: "Procure conhecer bem
as ideias políticas de cada uma das pessoas que você pretende
convidar", ensina a cartilha, batendo na tecla da prudência: "Convide a
pessoa para uma conversa reservada. Peça sigilo sobre o assunto. Procure
certificar-se de que ela manteve sigilo. Mande alguém, seu conhecido,
testá-la nesse pormenor."
A paranóia pela segurança se estende aos deveres dos dirigentes.
Entre os dez itens listados, cinco dizem respeito ao controle da
informação e dos membros do grupo: "manter severa vigilância em sua
jurisdição para evitar infiltrações de inimigos entre os seus
comandados"; "alternar, sempre, os locais de reuniões de seu grupo,
fazendo as convocações sempre em código ou através de senhas"; "manter
sob rigoroso controle os arquivos secretos e os dados sigilosos sobre a
organização e seus membros"; "não discutir assuntos referentes aos
planos dos Comandos de Libertação Nacional exceto com as pessoas
autorizadas"; "procurar organizar em sua jurisdição um esquema de rápida
mobilização popular para enfrentar golpistas, reacionários e grupos
antipovo."
O código de segurança detalha os cuidados a serem adotados e a ordem é
clara: desconfiar o tempo todo. Por isso o telefone fica banido na
transmissão de mensagens. O militante também deve anotar tudo o que
ouvir sobre a organização, especialmente quando partir de um
"reacionário": "até as piadas têm sua importância. Não as despreze."
Os comandantes são instruídos a buscar subordinados para os Grupos de
Onze que sejam "os autênticos e verdadeiros revolucionários, os
destemerosos da própria morte."
Os comandantes regionais, devido à sua importância na estrutura do
movimento, recebem instruções secretas que só devem ser compartilhadas
com os companheiros do Grupo de Onze "com as devidas cautelas e
ressalvas". O filé mignon da pregação revolucionária brizolista se
encontra no Anexo D, cuja abertura tem o pomposo título "Preâmbulo
Ultra-secreto" e determina que "só os fortes e intemeratos podem
intentar a salvação do Brasil das garras do capitalismo internacional e
de seus aliados internos. Quem for fraco ainda terá tempo de recuar ante
a responsabilidade que terá que assumir com o conhecimento pleno destas
instruções."
Os comandantes são instruídos a buscar subordinados para os Grupos de
Onze que sejam "os autênticos e verdadeiros revolucionários, os
destemerosos da própria morte, os que colocam a Pátria e nossos ideais
acima de tudo e de todos." E a recomendação seguinte é evitar
arregimentar parentes ou amigos íntimos.
Findo o preâmbulo, as instruções secretas têm dez seções. A primeira,
sobre os objetivos, volta a pregar a importância do Gr-11 como a
"vanguarda avançada" do movimento e compara esta célula à Guarda
Vermelha da Revolução Socialista de 1917. Por ser revolucionária, ela
não precisa prestar contas dos seus atos: "Não nos poderemos deter à
procura de justificativas acadêmicas para atos que possam vir a ser
considerados, pela reação e pelos companheiros sentimentalistas,
agressivos demais ou até mesmo injustificados." Sem sombra de dúvida, os
fins justificam os meios.
O quesito seguinte, que tem o título genérico de "Observações",
descreve o que seria uma espécie de estado de espírito permanente dos
participantes: "Os Grupos dos Onze Companheiros, como vanguardeiros da
libertação nacional, terão que se preparar devidamente (...) devendo
considerar-se, desde já, em REVOLUÇÃO PERMANENTE e OSTENSIVA." A
revolução cubana vitoriosa de Fidel Castro é a principal referência: "A
condição de militantes dos gloriosos Gr-11 traz consigo enormes
responsabilidades e, por isso, embora para formação inicial de nossas
unidades não seja condição sine qua o conhecimento da técnica
propriamente militar, torna-se absolutamente necessário o da técnica de
guerrilhas e a leitura, entre outras importantes publicações, do folheto
cubano a respeito daquele mister."
No terceiro capítulo, sobre a ação preliminar, os companheiros são
instados a tentar conseguir o quanto antes armamentos para o "Momento
Supremo". E a lista contempla desde espingardas a pistolas e
metralhadoras. Com um lembrete: "Não esquecer os preciosos coquetéis
Molotov e outros tipos de bombas incendiárias, até mesmo estopa e panos
embebidos em óleo ou gasolina." A instrução reconhece a escassez de
armas no movimento, mas conta com aliados militares (segundo o
documento, "que possuímos em toda as Forças Armadas") e garante ter o
apoio da população rural. "Os camponeses virão destruindo e queimando as
plantações, engenhos, celeiros e armazéns."
O descolamento entre propostas e realidade é flagrante, mas não
diminui o grau de virulência da ação que, pelo menos em tese, seria
desencadeada pelos Grupos de Onze. Juarez Santos Alves, de 61 anos, é
contemporâneo e até hoje amigo de Vitor Borges de Melo. O pai, dono de
farmácia, e o tio, militar, eram militantes do PCB (Partido Comunista
Brasileiro) e foram sua inspiração. No entanto, no que diz respeito à
sua passagem pelo Grupo de Onze, a monotonia imperava. "Considero mais
um grupo poético, porque nunca demos um passo além das reuniões.
Falava-se em tomar o quartel, mas como é que iríamos resistir se no
máximo tínhamos armas pessoais ou de caça?", rememora Juarez, que depois
ingressou na Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e torturado, foi
beneficiado com uma indenização de R$ 100 mil.
A cartilha de ação inclui escudos humanos, saques e incêndios de
edifícios públicos e empresas particulares, além da difusão de notícias
falsas.
Em centros urbanos, a tática adotada será assumidamente a de guerra
suja, com a utilização de escudos civis, principalmente mulheres e
crianças. "Nas cidades, os companheiros (...) incitarão a opinião
pública com gritos e frases patrióticas, procurando levantar a bandeira
das mais sentidas reivindicações populares, devendo, para a vitória
desta tática, atrair o maior número de mulheres e crianças para a frente
da massa popular." Agitação é a palavra de ordem, com direito a
depredação de estabelecimentos comerciais, saques e incêndios de
edifícios públicos e de empresas particulares. Também estão incluídos
ataques a centrais telefônicas, emissoras de rádio e TV. O objetivo?
"Com as autoridades policiais e militares totalmente desorientadas,
estaremos, nesse momento, a um passo da tomada efetiva do Poder-Nação."
Sobre a tática geral da guerrilha nacional, tema do item quatro, a
ênfase recai na guerra de informação. Depois de a autodenominada ação
revolucionária ter provocado o caos, o passo seguinte seria cortar a
comunicação entre as cidades e divulgar apenas o que interessasse ao
movimento. "Difundindo-se notícias falsas, tendenciosas e inteiramente
favoráveis aos nossos Gr-11 e aos nossos planos, com interceptação de
comunicações telefônicas isolamento das cidades e de seus meios de
comunicação."
Em "O porquê da revolução nacional libertadora", a explicação de
cartilha revolucionária: a exploração do capital monopolista
estrangeiro, principalmente americano; e a estrutura agrária baseada na
concentração latifundiária. No capítulo sobre "o aliado comunista", não
resta dúvida de que Brizola não via o Partido Comunista Brasileiro (PCB)
com a menor simpatia. "Devemos ter sempre presente que o comunista é
nosso principal aliado mas, embora alardeie o Partido Comunista ter
forças para fazer a Revolução Libertadora, o PCB nada mais é que um
movimento dividido em várias frentes internas em luta aberta entre si
pelo poder absoluto e pela vitória de uma das facções em que se
fragmentou." E continua, aumentando o tom da crítica: "São fracos e
aburguesados esses camaradas chefiados pelos que veem, em Moscou, o
único sol que poderá guiar o proletariado mundial à libertação
internacional. Fogem à luta como fogem à realidade e não perderão nada
se a situação nacional perdurar por muitos anos ainda."
"No caso de derrota do nosso movimento, os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados."
O trecho mais chocante das instruções secretas aos comandantes diz
respeito à guarda e ao julgamento dos prisioneiros. Para esta tarefa, a
orientação é clara: "Deverão ser escolhidos companheiros de condições
humildes mas, entretanto, de férreas e arraigadas condições de ódio aos
poderosos e aos ricos". Além da prisão, está previsto o julgamento
sumário de oponentes ao movimento, onde se incluem autoridades públicas,
políticos e personalidades. "No caso de derrota do nosso movimento, o
que é improvável, mas não impossível (...) e esta é uma informação para
uso somente de alguns companheiros de absoluta e máxima confiança, os
reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados, a fim de que não
denunciem seus aprisionadores e não lutem, posteriormente, para sua
condenação e destruição."
Para o professor Jorge Ferreira, entre 1961 e 1964 houve uma profunda
mudança nos interesses que alimentavam a correlação de forças entre
militares, partidos políticos e sociedade. "Em agosto de 1961", diz ele,
"quando Jânio Quadros renuncia, os militares deram um golpe que foi
rechaçado pelo Congresso, pelos partidos e pelas entidades civis. Os
grupos progressistas e legalistas venceram.
A sociedade brasileira não queria romper com o processo democrático."
O período parlamentarista manteve o equilíbrio, ainda que precário,
entre essas correntes. Jango sabia que precisava de maioria no Congresso
ou não governaria, mas o plebiscito que lhe devolveu o presidencialismo
acabou dando outro rumo aos acontecimentos, como afirma Ferreira: "a
Frente de Mobilização Popular, encabeçada por Brizola, havia unificado
praticamente todas as esquerdas, englobando o Comando Geral dos
Trabalhadores, Ligas Camponesas, UNE, Ação Popular, a esquerda do
Partido Socialista Brasileiro, a esquerda mais radical do PCB, os
movimentos de sargentos e marinheiros. E a exigência dessas esquerdas
era o rompimento com o PSD (Partido Social Democrático), a convocação de
Assembleia Nacional Constituinte e o questionamento das instituições
liberais vigentes. É quando se estabelece o confronto."
Desta vez, o estado de direito não venceu.
Mariza Tavares, Jornalista, é Diretora de Jornalismo do Sistema Globo de Rádio e da CBN – de cujo site foi extraído este texto.