quinta-feira, 16 de julho de 2009

Cultura no Bar Revolução de 32

1932: A cidade em armas

Em 1931, as elites paulistas já manifestavam seu descontentamento com o governo de Getúlio Vargas. Os fatores que agravaram a situação foram a intervenção estatal na agricultura, com a criação do Conselho Nacional do Café e a transformação dos sindicatos operários em órgãos ligados ao Estado. No mesmo ano, o Partido Democrático de São Paulo se articulava contra os princípios da revolução de 30, exigindo de Getúlio a Constituição que prometera. Fundado em 1926 por representantes da elite paulistana, em sua maioria dissidentes do Partido Republicano Paulista, o Partido Democrático era uma reação contra a República Velha e sua política viciada. Alinhando nomes como Antônio Prado, Prudente de Morais Neto, Francisco Morato e o jornalista Júlio de Mesquita Filho, que manifestava sua opinião através do jornal da família, O Estado de São Paulo, a oposição ao governo Vargas seria o caminho natural do novo partido. As reuniões eram realizadas no palacete Santa Helena, na Praça da Sé, onde funcionava o escritório do conselheiro Antônio Prado. Um local que se tornaria o foco principal da revolução civil.

Em 1932, o Partido Republicano e o Partido Democrático se uniram formando a Frente Única, em oposição à "Ditadura Vargas". Surgiram conflitos populares nas ruas da cidade e, no dia 23 de maio, quatro jovens perderam a vida em confrontos com as forças governamentais na Praça da República: Euclydes Miragaia; Mário Martins de Almeida; Dráusio Marcondes de Souza e Antônio de Camargo Andrade. Com as iniciais de seus nomes, Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, foi formada a sigla MMDC, que passaria a identificar a Revolução Constitucionalista.

Preocupado com os acontecimentos, Vargas marcou para o ano seguinte as eleições para a Constituinte, mas a medida não surtiu efeito. No dia 9 de julho de 1932 São Paulo entrou em guerra, com a mobilização das tropas da Força Pública e de um enorme exército de voluntários comandado por Bertoldo Klinger. O alistamento de civis ficava a cargo dos postos do MMDC - cuja sigla, os revoltosos traduziam como "Mata Mineiro Degola Carioca" -, que tinha sua sede principal na Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco. Seus integrantes também cuidavam da propaganda cívica, espalhando cartazes com o slogan "VOCÊ TEM UM DEVER A CUMPRIR". Por toda a cidade, os revolucionários cantavam a "Marcha da Liga de Defesa Paulista", com letra de Guilherme de Almeida:


Marcha soldado paulista
Marcha teu passo na história!
Deixa na terra uma pista;
Deixa um rastilho de glória.

No dia 11 de julho de 1932, os jornais da cidade publicavam a mensagem do general Isidoro Dias Lopes, comandante geral da Revolução:


Ao Povo Paulista

Neste momento assumimos as supremas responsabilidades do commando das forças revolucionarias empenhadas na lucta pela immediata constitucionalização do paiz. Para que nos seja dado desempenhar, com efficiencia, a delicada missão de que nos investiu o illustre governo paulista, lançamos um vehemente appello ao povo de S. Paulo, para que nos secunde na acção primacial de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado, abstendo-se e impedindo a pratica de qualquer acto attentatorio dos direitos dos cidadãos, seja qual fôr o credo politico que professem.

No decurso dos acontecimentos que se seguirão, não encontrará a população melhor maneira de collaborar para a grande causa que nos congrega, do que dando, na delicada hora que o paiz atravessa, mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina, caracteristicos fundamentaes da nobre gente de S. Paulo. (Transcrito do jornal Diario Popular do dia 11 de julho de 1932)

A Revolução Constitucionalista de 32 durou quase três meses e, depois de muita luta, terminou no dia 29 de setembro com a rendição de Bertoldo Klinger.

Através de alguns trechos do livro Revoluções do Brasil Contemporâneo, de Edgard Carone, é possível avaliar alguns aspectos da Revolução paulista:

"...Afinal, às 23:30 horas de 9 de julho, a revolução era um fato. A chácara do Carvalho, sede da R.M., e Quitaúna não oferecem resistência; Correios e Telégrafos, a Telefônica, as rádios Educadora e Record são ocupadas...
...os estudantes da Faculdade de Direito mobilizam-se; abrem-se as inscrições para o voluntariado, as adesões aumentam. Isidoro Dias Lopes assume o Comando Geral, Bertoldo Klinger a chefia das forças revolucionárias, e Marcondes Salgado continua comandante da Força Pública; todos fazem parte da recente Junta Revolucionária...
...É indescritível o entusiasmo da burguesia e da pequena burguesia, aliadas numa Frente Única que elimina todas as divergências, eufóricas com a certeza de uma rápida derrubada do Governo Provisório. Os problemas, porém, logo se acumulam, esfriando o otimismo: o armamento e a munição em Quitaúna eram escassos, sendo a Força Pública o único grande arsenal existente; as tropas e as armas que Klinger prometera não vieram; as tropas paulistas aguardam nas fronteiras o anunciado apoio do Rio Grande e Minas...
...A luta foi violenta e durou três meses. Sem auxílio externo, a oligarquia paulista incentiva ao máximo o entusiasmo da pequena burguesia e obtém o seu sacrifício numa luta heróica e vã, que só a ela traria benefícios...
...Sublinhando os temas da humiliação de São Paulo e da volta à Constituição, a burguesia procura identificar-se como uma luta democrática, mas o operariado olha este patriotismo com desconfiança e, compreendendo que a luta não é sua, dela não participa...
...A burguesia faz a campanha do "ouro para o bem de São Paulo", a emissão de bonus, empréstimos no estrangeiro; por outro lado, as necessidades militares obrigam a indústria paulista a fabricar armamentos, em impressionante mobilização..."


Se, para alguns, a Revolução de 32 foi caracterizada como um movimento que interessava principalmente às elites, para outros "São Paulo não foi vencido", como afirmava Alfredo Ellis Jr. ao final do conflito: "Um povo traído, vendido, sem armas, sem munições, sem quadros para as suas forças de voluntários, e sempre novamente traído, não pode ser considerado vencido, depois de sozinho, ter enfrentado impávido, todo o poder bélico de uma nação de 42 milhões de habitantes, com todas as forças de seu exército, com toda a sua marinha, com todas as polícias de 20 Estados, com todos os seus jagunços mercenarizados de norte a sul".

Em depoimento especial para este livro, o vereador João Brasil Vita, na época com 10 anos de idade, relata sua curiosa participação na Revolução:

"Durante a revolução de 32, na rua onde morava, no Cambuci, um bairro muito pobre, bairro de imigrantes, eu e um grupo de meninos montamos uma espécie de canhão, com um pedaço de chaminé e duas rodas. Fomos andando a pé pela Rua do Lavapés, subimos a Rua da Glória e seguimos até o Largo São Francisco, exibindo um cartaz com palavras de minha autoria: Se preciso, também iremos".


Mesmo com a derrota, a situação em São Paulo se normalizaria somente em agosto de 1933, após a nomeação de um interventor que agradava às elites, o paulista Armando de Sales Oliveira, e com a convocação das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, em 1934.




Texto do jornalista Angelo Iacocca para o livro
Ponto Chic – Um bar na história de São Paulo,
a ser lançado em breve





1932: A cidade em armas



http://www.pontochic.com.br/popups/revolucao32.asp

Nenhum comentário:

Postar um comentário