quarta-feira, 29 de julho de 2009

O reacionarismo paulista e o caminho das pedras


Desde os anos 1970, quando se tornou o centro político do país nação (em 1965, a eleição direta de Negrão de Lima – juscelinista declarado – para o governo da Guanabara, abalou a ditadura e mostrou que o Rio ainda era a capital política nacional), São Paulo elege o que há de pior e de melhor no Brasil. Jânio, Maluf, Enéas, Clodovil representam a primeira categoria. Ulysses, FHC, Suplicy, e Lula, cuja iniciação política deu-se em São Paulo, aparecem, conforme o gosto do freguês, como o que há de melhor. Num artigo na Folha em 23/10/2005 (assinantes UOL clicar aqui), procurei mostrar que este paradoxo constitui um dos componentes da “desordem paulista” que tumultua o quadro político nacional.
Dentre as coisas ruins da Paulicéia, existe, ainda e sempre, um tipo de reacionarismo proto-separatista sem paralelos no Brasil.
Assim, um artigo do deputado estadual paulista João Mellão Neto (“Os perigos da incomPeTência”), do DEM, publicado no Estadão em 3/08/2007, critica (com razão) a ausência de Lula junto às famílias das vítimas do Airbus em São Paulo, mas conclui com a seguinte reflexão: “Nada contra o fato de o presidente se refugiar nos Estados nordestinos. Afinal, é neles que se encontra a grande maioria de seus eleitores, todos eles devidamente subornados pelo Bolsa-Família. Mas, a bem da Nação, a sua passagem deveria ser só de ida. Chegou a hora de dizer: Basta!”
Subornados? BNH, correção monetária, juros altos para os bancos, juros negativos e perdão de dívidas para os usineiros, Proer, tudo que engordou a conta da classe média e de muita gente rica durante décadas desaparece diante do “suborno” do Bolsa-Família. Ora, como escreveu outro dia
Fernando Canzian no Folhaonline, “O difamado Bolsa Família é apenas uma fração dos juros pagos a quem tem dinheiro no banco, são 0,4% do PIB contra quase 7%”.
O raciocínio cerebrino do deputado pressupõe que a legitimidade presidencial só existe nas regiões onde Lula obteve maioria eleitoral. Lula venceu na maioria dos Estados do Norte e do Nordeste, mas ganhou também em Brasília, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nestes 5 Estados ele obteve uma vantagem de 7.291.000 votos sobre Alckmin no segundo turno. Ou seja, mesmo que todos os brasileiros do Norte e do Nordeste tivessem ficado em casa, ou pertencessem a um outro país, Lula ainda dava de lavada no candidato tucano no segundo turno. Para ser coerente, o deputado do DEM deveria também incluir todos os brasilienses, goianos, capixabas, mineiros e cariocas no seu ‘chega pra lá’ excludente e preconceituoso. De quebra, poderia agregar ainda, neste mesmo grupo de “subornados” cujo voto vale menos que o dele e de seus amigos, e que não pertence à "Nação" deles, todos os eleitores da Baixada Santista e da Grande São Paulo, que também deram a maioria de seus votos a Lula.
Falta quanto tempo ainda para a direita brasileira aprender o caminho das pedras da prática democrática?
P.S. -« O documento impressiona não apenas por revelar a amplitude a que chegou o programa [do Bolsa-Família] em um punhado de anos e sua focalização em geral adequada – uma proeza nada desprezível considerando a extensão do território coberto, o formidável contigente alcançado e o histórico brasileiro de monumentais desvios de verba no assistencialismo tradicional”, [mas impressiona ainda porque] “80% dos quase R$ 8,8 bilhões desembolsados pelo governo aliviam efetivamente a situação dos 40% mais pobres entre os brasileiros. E, desde o advento do programa, a concentração de renda diminuiu 4% no país”.
Os trechos acima foram extraídos do editorial equilibrado e pertinente do Estadão de 23/08/2007 que comenta estudos do Ministério do Desenvolvimento Social e do Ipea sobre o Bolsa-Família (“O Brasil do Bolsa-Família”)

http://sequenciasparisienses.blogspot.com/2007/08/o-reacionarismo-paulista-e-o-caminho.html

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