quinta-feira, 6 de agosto de 2009

RIO GRANDE INDEPENDENTE

RIO GRANDE INDEPENDENTE
PREFÁCIO

Manoel Correia de Andrade

É louvável a iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, de publicar livros antigos sobre o Estado, a fim de que os leitores de hoje tenham uma idéia do que foi o Rio Grande e o que pensavam os escritores gaúchos, alguns muito famosos, a respeito de sua província, até 1889, e do Estado, a partir daí, e de suas relações com as demais províncias e estados do Brasil. O livro de Alcides Maya, com longo prefácio de Apolinário Porto Alegre, foi publicado em 1898, no primeiro decênio de vida da República, quando as antigas províncias do Império, submissas, durante décadas, ao poder central, em um sistema unitário asfixiante, sentiam-se livres e passaram a reivindicar direitos quase que de estados soberanos.
O grande político e escritor do Império, Joaquim Nabuco, manteve-se monarquista até a maturidade, por temer que a República, ao conceder autonomia as províncias, tornasse o poder central tão fraco que não fosse capaz de manter a união, e que o Brasil se dividisse em uma série de pequenas repúblicas, de tamanhos e recursos variados, como ocorrera com a América Espanhola. Sabia-se que o Brasil, durante o período colonial, era formado por uma série de capitanias diretamente dependentes do governo da metrópole, de Lisboa, e só com a fuga de D. João VI, em 1808, para o Rio de Janeiro, tentou-se dar uma unidade ao Reino, criado em 1816. Mesmo as capitanias do Norte, como o Maranhão e o Grão Pará, mais da metade do território que viria a participar do Império do Brasil, tinham muito maiores ligações com a Metrópole do que com o Rio de Janeiro e que, para participarem o novo Império e aceitarem a independência, tiveram que ser conquistadas pela recém organizada marinha imperial, dirigida por oficiais ingleses.
A Guerra da Independência não foi tão pacífica como se supunha, como demonstramos em ensaios sobre revoltas[1];na realidade, a Independência só se centralizou em torno do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, graças as vantagens que o Rio tinha, por ter sido durante algum tempo a metrópole portuguesa na América e a habilidade política e artimanhas de José Bonifácio que, contrariando interesses regionais e de grupos, conseguiu fazer com que se aceitasse a permanência no poder da própria dinastia portuguesa. Foram numerosos os interesses contrariados e os sentimentos regionais reprimidos, sobretudo em províncias, antigas capitanias mais ricas e desenvolvidas e com um movimento comercial mais expressivo, como o Maranhão, Pernambuco, a Bahia, e o Rio Grande do Sul. A independência foi conduzida pelas elites regionais, formadas por grandes proprietários de terra, comerciantes ricos e altos funcionários que tolheram a participação popular e os movimentos de massa, feitos pela população pobre e inculta do interior. Populações que se sentiram logradas pela presença de um imperador estrangeiro e por uma nobreza formada por pessoas importantes que já ocupavam cargos e posições no período colonial.
O estudo das revoluções ou revoltas populares ocorridas durante o período regencial é fundamental para que bem se conheça a história brasileira. Entre estas podemos salientar a Cabanagem no Pará[2] a Balaiada no Maranhão e Piauí[3], a Guerra dos Cabanos em Pernambuco e Alagoas[4], a Sabinada na Bahia[5] e a Guerra dos Farrapos[6] no Rio Grande do Sul. Nestas revoltas, que tiveram grande duração, havia um grande contingente de populares – escravos, negros e mulatos forros, populares de diversas camadas e alguns líderes oriundos da própria oligarquia dominante. No Pará, por exemplo, participaram como chefes da cabanagem Vinagre, Angecim(sic) e Marcher, em Pernambuco e Alagoas líderes das famílias Roma, filhos do famoso Padre Roma, e dos Mendonças, na Bahia o médico Sabino da Rocha Vieira e no Rio Grande do Sul estancieiros, grandes criadores de gado como Bento Gonçalves e o Gal. Neto. De uma forma ou de outra os revoltosos não tinham uma percepção maior do nacional e faziam sobressair em seus anseios, aspirações e reivindicações dominantes regionais e locais.
O Império, implantado com o movimento de 1822 e consolidado com muita luta no período regencial, de 1831 e 1840, conseguiu, a partir daí, uma certa estabilidade, absorvendo, de forma ampla, em seus partidos – liberal e conservador -, lideranças anteriormente consideradas federalistas e/ou republicanas. Mas o equilíbrio imperial foi mantido apenas durante meio século, graças a habilidade política de D. Pedro II, ao equilíbrio entre as elites políticas que controlavam a agricultura e o comércio de exportação de produtos tropicais – açúcar, café, algodão, cacau, etc – e a manutenção do sistema de trabalho escravo. O Brasil foi o país da América Latina maior importador de escravos africanos, mantendo o tráfico negreiro até 1854, e a escravidão até 1888, prolongando a escravidão, de forma disfarçada, até as primeiras décadas do século XX, de vez que ao escravo não se deu a oportunidade de se tornar cidadão, mas apenas a liberdade e o direito de mendigar um trabalho mal remunerado nas cidades e nas antigas fazendas onde haviam sido escravos.
O império ficou enfraquecido, devido suas bases de apoio – a Igreja, a escravidão e o exército – e o desigual desenvolvimento das províncias, algumas delas passaram a sonhar com a implantação da república, que poderia atingir o todo ou partes do território brasileiro. Assim, São Paulo, a província mais próspera e progressista, em face ao desenvolvimento da cultura do café, desejava a república, alegando que o crescimento econômico da mesma era cerceado pela política unitarista imperial e admitia que, feita a república, poderiam as outras províncias, seguir o seu exemplo, proclamando a separação do Brasil e a adoção do regime republicano, e, em seguida, se federalisarem com o seu apoio. Idéia defendida em livro famoso, na época, por jornalista radicado em São Paulo e irmão do futuro presidente da República e republicano histórico, Campos Sales[7].
Este ponto de vista estava presente no pensamento de políticos de outros estados, inclusive do Rio Grande do Sul. Na verdade, ocorria que São Paulo, a proporção que crescia economicamente, procurava aumentar a sua influência na vida e na organização do Império e, após o 15 de Novembro, da República trazendo, problemas a estados cuja influência declinava, como o Maranhão, Pernambuco e Bahia, ou que procuravam ascender, como o Rio Grande do Sul. O seu peso político e econômico era muito grande para os estados com menores recursos, criando um clima de rivalidade que punha em risco a estabilidade do Império e a unidade do país[8]. Daí formarem-se entre as elites grupos que optavam por soluções diversas que podem ser agrupados em: a) os monarquistas ortodoxos, que juntavam a existência do Império a política de centralização, negando qualquer autonomia as províncias; b) os que se tornaram partidários da secessão, podendo cada província ou estado tornar-se um país independente; c) os partidários de uma federação ou de uma confederação que lutavam pela formação de um país onde as várias unidades políticas tivessem uma certa autonomia, sem perderem os vínculos nacionais. Estes, como o grande jurista Rui Barbosa, se miravam sobretudo na Constituição dos Estados Unidos, esquecidos de que este país evoluíra de uma confederação para uma federação e por isto os estados membros guardavam certos direitos que já tinham quando soberanos. Até o direito a secessão, utilizado pelos estados do Sul contra os do Norte, no governo de Lincoln.
No Brasil ainda ocorria um certo estadualismo, guardando as províncias, posteriormente transformadas em estados, certas recordações da quase autonomia que desfrutavam, frente a metrópole. Recordações que eram mais fortes em algumas áreas que em outras, como acontecia em Pernambuco e na Paraíba que enviaram representantes ao Parlamento Imperial, conhecidos por suas convicções republicanas, como o padre Venâncio Henriques de Resende e o próprio Manuel de Carvalho Paes de Andrade (senador pela Paraíba), anos depois de ter sido presidente da Confederação do Equador e de ter conservado políticos influentes com idéias republicanas, como Borges da Fonseca[9], até meados do século XIX, atuantes na chamada Revolução Praieira.
O Rio Grande do Sul entrou tarde no conjunto brasileiro, de vez que foi povoado tardiamente, em vista das lutas existentes entre portugueses e espanhóis, nos primeiros séculos de colonização (XVII e XVIII), e do seu povoamento, inicialmente litorâneo e só depois do interior, ser feito de forma descontínua, com os açorianos no litoral e os criadores de gado, vindos de São Paulo, no interior, graças a pecuária bovina e de muares que daria origem a exploração do couro, a formação de tropas de muares e, finalmente, a implantação de charqueadas, já no século XIX. Na verdade, foram as charqueadas, que sucederam a nordestina, que inseriram o Rio Grande entre as unidades políticas do país.
O povoamento do Rio Grande esteve muito ligado a garantia do território nacional frente aos castelhanos do Vice-Reinado do Rio da Prata, com as guerras fronteiriças, iniciadas no século XVIII, com a luta pelo território das Missões. Esta luta foi, na verdade, o choque entre dois imperialismos, o português que e queria estender os seus domínios até o Prata, chegando a construir a Colônia do Sacramento quase na foz desse rio, e o espanhol que sonhava criar um grande império a partir de Buenos Aires que deveria, na lógica política de então, dominar Montevidéu e Assunção e se expandir até a região produtora de prata dos Andes bolivianos. E o Rio Grande do Sul foi uma espécie de pára-choque entre estas duas forças na luta em que os portugueses levaram a melhor, mesmo sem conseguir dominar o Prata, enquanto o império espanhol foi vítima de secessão que dividiu o Vice Reinado em quatro países: a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia.
Dominando o Rio Grande, os grandes proprietários, criadores de gado e produtores de carne – a charque-, tiveram que se envolver em questões de limite e de domínio de terras e campos, participando tanto das guerras platinas como das revoluções em que desejavam firmar a sua autonomia no Império que eles não rejeitavam, mas a que não eram submissos. Daí as posições que o colocavam em choque com o poder central e a sua participação ativa na Guerra Cisplatina, quando o governo português resolveu intervir no Prata visando, a um só tempo, derrotar o movimento pela independência, chefiado por Artigas, e se apossar de Montevidéu, criando a chamada província Cisplatina; depois, no período de 1825 a 1828, quando houve o levante de Lavaleja e a luta do Brasil contra a Argentina (então províncias Unidas do Rio Prata) de que resultou a criação da República da Banda Oriental do Uruguai, a luta interna na Província do Rio Grande contra o despotismo imperial e a má administração da província, causando sérios problemas de distribuição de tributos, quando os rebeldes gaúchos proclamaram a República Rio-Grandense no Rio Grande e Juliana em Santa Catarina, que perdurou de 1835 a 1845; em seguida a guerra contra Rosas em 1851/52, a intervenção no Uruguai e a guerra contra Oribe, que provocou a famosa grande guerra do Paraguai, quando o Rio Grande foi invadido por tropas paraguaias e foi ponto de base para a reação brasileira, de onde partiram forças aliadas a Argentina que combateram a república guarani[10].
Observa-se, porém, que mesmo restaurada a soberania brasileira sobre o Rio Grande, a província, depois o Estado, continuou mantendo características próprias que o identificavam com as suas origens. Por exemplo, ao se constitucionalizar, promulgou uma Constituição bem fora dos princípios seguidos pela Constituição nacional de 1891, permitindo, entre outros dispositivos, a reeleição dos seus presidentes. Daí Borges de Medeiros ter se reeleito presidente do Rio Grande, durante 4 mandatos. E foi palco de uma sangrenta revolta, a chamada federalista, em 1893, em que os gaúchos, chefiados por líderes eminentes como Silveira Martins, resistiram as forças Florianistas por mais de dois anos. Também, em pleno período de esplendor da chamada Primeira República – será que ela teve um período de esplendor? - O Rio Grande foi palco de uma revolução, em 1923, que procurava entre outras coisas amainar os rigores de uma Constituição rigidamente positivista, seguidora dos ensinamentos de Augusto Conte, denominada a dos Maragatos[11], e ele seria por duas décadas, a partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas, o centro da política brasileira.
Sendo os gaúchos fortemente politizados, tiveram grande participação no desenvolvimento político brasileiro, produzindo uma literatura muito rica, ligada a assuntos políticos e sociais. Assim, com a ascensão do regime republicano o problema do separatismo voltou a ser assunto importante em todo o país, sendo numerosos os publicistas gaúchos que se pronunciaram em artigos, ensaios e livros a respeito. É interessante ressaltar que o tema da Revolução Farroupilha voltou a tona e se mantém, até hoje, alimentando rica bibliografia de história e de literatura.
A literatura histórica, o romance histórico, tem uma grande importância no Rio Grande, com repercussão em todo o Brasil graças a autores como Érico Veríssimo, Josué Guimarães, Assis Brasil e Letícia Wierzchowski; os temas políticos, embora menos divulgados, estão em livros como os de Alfredo Varela[12], de Oliveira[13], de Mota[14] , de Dante de Laytano[15] e Tristão de Alencar Araripe[16].
Entre todas estas obras que refletem o passado do Rio Grande, encontra-se o livro de Alcides Maya[17], escrito em 1892, quando ele tinha apenas 18 anos, e no momento histórico em que a unidade perigava, face ao movimento irradiado sobretudo de São Paulo, com livros famosos, como Pátria Paulista de A.Sales, e que teve continuidade até os anos Trinta do século XX. De tal forma que na revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932, havia uma ala que apoiava o separatismo, com figuras como Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida e Alfredo Ellis Junior[18]. Este chegou a escrever um livro em que compara as condições econômicas do Rio Grande do Sul com as do Uruguai, mostrando que o Estado teria maior viabilidade econômica para ser uma país independente do que a república platina.
Alcides Maya, apesar de sua juventude e de viver em um Estado que atravessara uma forte conflagração, com a revolução Constitucionalista, defendia a idéia de uma maior autonomia para o mesmo, mas condenava a separação pura e simples. E o faz na linguagem veemente do seu tempo, em tom discursivo, como a desafiar para uma polêmica os outros publicistas gaúchos e certamente dos outros estados do Sul e do Sudeste, sobretudo os paulistas, onde Martim Francisco, descendente de família ilustre, congregava separatistas. Em seu livro ele mostra como há uma diferenciação sócio-econômica entre os estados do Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – e outros estados brasileiros, mas leva o leitor a concluir que estas diferenças são comuns em outros países de grande extensão territorial, onde a conquista de terra, a produção do território, foi feita por etapas.
Ao nosso ver, o livro de Alcides Maya, apesar de escrito faz mais de um século, ainda é uma obra que deve ser lida e meditada pelos estudiosos da Geopolítica e das ciências humanas e sociais em geral; os problemas nele contidos e analisados ainda estão presentes nos dias de hoje, são problemas importantes que carecem de reflexão. Reflexão que, naturalmente, leva ou pode levar ação.


[1] ANDRADE, Manoel Correia de. As Sedições de 1831 em Pernambuco. Revista de História, nº 28. São Paulo, 1956.
[2] MARLEY, J.A.A Cabanagem. Belém: Libraría Clássica, 1936.
[3] SERRA, Astolfo. A Balaiada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército.
[4] ANDRADE, Manoel Correia de. A Guerra dos Cabanos. Rio de Janeiro: Conquista, 1965.
[5] VIANNA FILHO, Luís. A Sabinada. República Baiana de 1838. José Olympio. Rio de Janeiro.1938
[6] FLORES, Moacir. Modelo Político dos Farrapos. Mercado Aberto. Porto Alegre, 1987.
[7] SALES, A. A Pátria Paulista. Campinas: Gazeta de Campinas, 1887.
[8] ANDRADE, Manoel Correia de. Espaço, Polarização e Desenvolvimento. São Paulo: Atlas, 1987.5 ed.
[9] SANTOS, Mario Marcio de Almeida. Um Homem contra o Império. Antonio Borges da Fonseca. João Pessoa: Secretaria Estadual de Cultura, 1995.
[10] CALMOM, Pedro. História do Brasil. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1939. 5 volumes.
[11] FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2ed.
[12] VARELA, Alfredo. Revoluções Cisplatinas. Porto Alegre: Chardon, 1915.
[13] OLIVEIRA, S.A. A Independência do Sul. Porto Alegre: Martins, 1986.
[14] MOTA. República Fratricida. Revoluções riograndenses. 1835-1923. Porto Alegre: Martins, 1989
[15] LAYTANO, Dante de. História da República Riograndense. Porto Alegre: Globo, 1936.
[16] ARARIPE, Tristão de Alencar. A Guerra Civil no Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Laemmert, 1881.
[17] MAYA, Alcides. O Rio Grande Independente. Porto Alegre: Typ. Da Agência Literária, 1898.
[18] ELLIS JUNIOR, Alfredo. Evolução da Economia Paulista e suas causas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

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