quinta-feira, 6 de agosto de 2009

GUARACY SILVEIRA: LIBERAL PROTESTANTE E SOCIALISTA

CILAS FERRAZ DE OLIVEIRA
Núcleo de Estudos e Pesquisas: História, Educação e Ciências - Doutorando
Orientador: Professor Dr. Elias Boaventura
FAMILIA
Esta pesquisa é uma continuidade do meu projeto de mestrado sobre o movimento de autonomia da Igreja Metodista na década de 20 e que culminou com a declaração da autonomia e o estabelecimento da Igreja Metodista do Brasil em setembro de 1930. Esse movimento sofreu forte influência do sentimento nacionalista, que permeava a sociedade brasileira. Não foi um movimento de base, mas de lideranças leigas e pastorais e a mobilização teve grande alcance. Entre as lideranças desse movimento destacou-se o pastor Guaracy Silveira.
Ele nasceu na cidade de Franca no dia 27 de setembro de 1893. Guaracy Silveira é filho de Zeferino Carlos da Silveira e de D. Ana Silvéria de Sousa Silveira. Zeferino Carlos da Silveira, vereador republicano e liberal em São Simão-SP, foi signatário do protesto contra a permanência do Segundo Império e, por isso, foi processado e ficou foragido em 1889, às vésperas da proclamação da República. Ele é descendente do bandeirante Carlos Pedroso da Silveira, provedor de uma das primeiras Casas de Fundição e Quintos do Ouro do Brasil na cidade paulista de Taubaté, berço das expedições bandeirantes, que descobriram as minas de ouro em Minas Gerais e da guerra dos emboabas (aves com penas até os pés), referência aos portugueses e nortistas, que calçavam botas, enquanto os bandeirantes andavam descalços. Nesse tempo a população paulista era de mamelucos e índios, que utilizavam como língua o tupi, mais do que o português.

Estudou em Seminário Católico, na cidade de Lorena-SP e em 1915 ingressou na Igreja Metodista. No dia 28 de junho de 1920 ele proferiu um discurso intitulado “Entre Christo e Barabbás” em um Congresso de ex-padres realizado na Igreja Metodista do Catete, Rio de Janeiro, cuja tese era: “O Brasil Christão e não Romano”. Nesse discurso ele explica as razões porque saiu da Igreja Católica Romana. Segundo ele, bem cedo teve a consciência despertada pela convicção de pecado. Não sabia explicar como chegou a isto.
Nascido no meio de uma família francamente anti-clerical, filho de um pai, que detestava o ultramontanismo,aprendeu desde cedo que “para a grandeza da pátria era necessário acabar com o último padre quando tivesse desaparecido o último rei”.

RELIGIÃO
Guaracy reconheceu que recebeu também do seu pai um espírito temente a Deus, vendo-o curvar-se cada noite, reverentemente, para fazer suas orações. “Eis a atmosfera do meu lar, honesto, graças a Deus,porém onde jamais um membro se prostrou em o confessionário, diante de um padre, com a excepção infeliz de mim mesmo” 1
Entretanto, afirma ele, cometeu um erro comum ao povo brasileiro, que não tinha outra opção religiosa,confundindo ser cristão com ser católico romano.
“Ser christão, para o nosso povo, é ser romanista, é, muitas vezes, odiar o padre
pelos seus vícios mas respeitál-o por causa de Deus e obedecer-lhe. É sabel-o peccador
indigno e levar-lhe os filhos a baptizar, para expulsar-lhes o demônio... É submeter-lhe
os seus defuntos para que os recommende a Deus e lhes arranje um melhor lugar no
purgatório...Também eu, meus senhores, paguei tributo ao erro commum, embora minha
mãe me dissesse com lágrimas nos olhos que se meu pae fosse vivo teria vergonha de me
ver trajando aquella batina que era o ultrage do christianismo verdadeiro.” 2

SILVEIRA, Guaracy; “Entre Christo e Barabbás”. Discurso proferido na Igreja Metodista do
Segundo Guaracy, para os moradores da cidade, onde crescera, ele havia abandonado a religião dos seus pais, ao entrar para o seminário católico. Entretanto, o que ele queria era agradar a Deus e acreditava que a vida eclesiástica era o mais perfeito caminho para essa realização; mas, ele não conseguiu no seminário encontrar a paz.

Nessa busca entrou para a Igreja Metodista na cidade de Ribeirão Preto e em 1915 foi ordenado
pregador local. Em fevereiro de 1916 foi para o Granbery em Juiz de Fora, segundo ele, para uma
“readaptação eclesiástica” 3, onde estudou apenas um semestre. Ele decidiu fazer o curso teológico vago,enquanto trabalhava como ajudante de pastores mais experientes nas igrejas em que era nomeado como pregador licenciado; depois foi diácono e, concluído o curso teológico em 1920, foi ordenado presbítero da Igreja Metodista em 1921.No início do seu trabalho pastoral como pregador leigo, ajudante de um pastor, que era missionário norte-americano, ele entrou em conflito com o que ele denominou de “a mentalidade dos missionários”4, que tinham a prática de premiar apenas as crianças, que se faziam merecedoras e vencedoras de algum concurso em detrimento das visitantes e das demais, que não se qualificaram como merecedoras, visando estimular a participação delas na igreja e suas atividades.

“Segundo o missionário, as mães das crianças precisavam aprender que deveriam vir à Igreja para terem direitos iguais. Só mais tarde compreendi que as crianças americanas possuem outra mentalidade. Ao chegar, anos mais tarde, em certa grande igreja, para a qual me nomearam pastor, vi uma jovem missionária, consagrada e inteligente, distribuindo, numa classe de cerca de quarenta alunos, um belíssimo bolo,que deveria ser comido pelos seus alunos vencedores! No Brasil isto é absurdo. Mas nos Estados Unidos muito natural. Com muito tato consegui convencê-la de que isso no Brasil seria contraproducente.” 5

Guaracy Silveira acreditava, no entanto, que os países, onde o protestantismo floresceu, tiveram melhor desenvolvimento político, social e econômico que os países em que prevaleceu o catolicismo. Ele sustentava suas convicções em estudos sociológicos, como do belga Emilio Laveleye, professor de economia política na Universidade de Liège, chefe do Partido Liberal da Bélgica, que publicou na França o livro “Futuro dos Povos Catholicos”, em que defendeu a tese de que os povos católicos tinham menor progresso que os povos protestantes e que isto provinha da fé que professavam e não da raça.

POLÍTICA
Guaracy Silveira foi o primeiro capelão militar brasileiro na revolução constitucionalista em 1932,
servindo como capitão junto ao 8º. Da Força Pública de S. Paulo e no 14º de Voluntários. Em 1930 o rev. Dr.Detter, pastor batista, estrangeiro, havia servido como capelão junto às forças revolucionárias.Em 1933 apresentou-se candidato a deputado pelo Estado de s. Paulo, à Constituinte da Segunda República, pelo PSB - Partido Socialista Brasileiro e, apesar do curto prazo de 15 dias, que separou o lançamento da candidatura e a eleição, foi um dos vinte e dois brasileiros que o Estado de S. Paulo enviou àquela assembléia. Ainda durante os trabalhos da Constituinte ele foi expulso do PSB pela ala marxista, que se firmou no partido e que aderiu à III Internacional Socialista. Eles o acusavam de estar mais ligado à FUP –Frente Única Paulista, formada pelo Partido Republicano Paulista e Partido Democrático, que às orientações
do PSB durante os trabalhos da Constituinte.
3 SILVEIRA, Guaracy. Minha Vida Pastoral, s/data, p. 6
4 Idem, idem, p. 13
5 Idem, idem, p. 13


Depois de jubilado como pastor metodista em 1938, ele foi encarregado pelo Governo do Estado de S.Paulo do serviço de propagar as finalidades da legislação trabalhista entre trabalhadores e intelectuais,trabalhando no Vale do Paraíba, Sorocaba e Santos, lotado no Departamento Estadual do Trabalho.Em dezembro de 1945 foi novamente eleito deputado constituinte, agora pelo PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, único deputado constituinte paulista reeleito. Na Assembléia Constituinte participou da Comissão de Constituição e da Subcomissão de Família, Educação e Cultura.

BIOGRAFIA E HISTÓRIA
Segundo Rui Josgrilberg 6 temos algumas lacunas na pesquisa sobre o metodismo brasileiro: 1) Os contextos social e político do Brasil não têm sido estudados em relação à problemática da Igreja Metodista;
2) Ausência do perfil biográfico dos líderes metodistas nacionais e 3) O estágio de nossas pesquisas vinculase
quase somente às fontes oficiais e semi-oficiais. Limitamo-nos a descrever os “fatos” na ótica mais ou menos oficial e não os interpretamos como processo sócio-histórico mais abrangente. Esta pesquisa biográfica sobre Guaracy Silveira pretende de alguma forma contribuir para suprir algumas dessas lacunas.Nos últimos anos as biografias têm despertado grande interesse, inclusive entre os historiadores. As razões da emergência do gênero biográfico são variadas. Segundo SCHMIDT (1997) a massificação e a perda de referenciais ideológicos e morais, que marcam a sociedade contemporânea, têm como contrapartida a busca, no passado, de trajetórias individuais, que possam servir como inspiração para os atos e condutas vividos no presente. A recuperação dos sujeitos individuais na história pode ser vista também como uma
reação aos enfoques excessivamente estruturalistas, descamados de “humanidade”, que caracterizaram boa parte da produção historiográfica contemporânea: o modo de produção de Marx e a longa duração de Braudel, por exemplo. Metodologicamente, esta mudança implica o recuo da história quantitativa e serial e o avanço dos estudos de caso e da micro-história. No círculo mais estritamente acadêmico é importante salientar a aproximação da história à antropologia, na qual o resgate das histórias de vida já é uma praxe, e também à literatura, preocupada com as técnicas narrativas de construção dos personagens.“O retorno da biografia é um movimento internacional e perceptível em diversas correntes recentes, tais como a nova história francesa, o grupo contemporâneo de historiadores britânicos de inspiração marxista, a micro-história italiana, a psico-história,a nova história cultural norte-americana, a historiografia alemã recente e também a historiografia brasileira atual. Apesar das diferenças entre estas tradições historiográficas, é marcante em todas elas o interesse pelo resgate de trajetórias
singulares.” 7
O resgate de trajetórias individuais tem sido utilizado, para iluminar questões e/ou contextos mais amplos. Segundo SCHMIDIT (1997:3) Hobsbawm nos ensina que o estudo biográfico vai muito além da estória particular e seus personagens, e o trabalho de Ginzburg sobre o moleiro Menocchio possibilitou repensar as relações entre cultura camponesa e cultura letrada na Europa pré-industrial.Os comportamentos sociais dos indivíduos não podem ser estudados independentemente das condições materiais, que são históricas e produzidas, sobre cujas bases os indivíduos sociais entram em relações sociais. Portanto, é necessário desvendar os múltiplos fios, que ligam um indivíduo ao seu contexto. VEYNE
(1971:72) afirma que nenhum historiador ou sociólogo é capaz de separar o que é individual do que é coletivo. O historiador inglês Christopher Hill publicou um livro sobre Oliver Cromwell (1988), intitulado ‘O eleito de Deus’, em que relaciona o personagem biografado com o contexto da Inglaterra no século XVII.
6 JOSGRILBERG, Rui; O Movimento da Autonomia: perspectiva dos nacionais. In REILY, D. A. (org). História, Metodismo, Libertações. São
Bernardo do Campo-SP: EDITEO, 1990: p. 96.
7 SCHMIDT, Benito Bisso, Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e Afastamentos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
no. 19, 1997, p. 2
Segundo Schmidt (1997), o sociólogo Pierre Bourdieu nos adverte para o que chamou de “ilusão
biográfica”. Para ele os pesquisadores, que usam o método das histórias de vida, geralmente partem de uma noção equivocada de identidade, entendida como constância a si mesmo, oposta ao “sujeito fracionado,múltiplo” da realidade. Bourdieu afirma também que o projeto historiográfico não pode cair no “senso comum”, ou seja, a descrição da vida como um caminho, uma estrada, uma carreira, com suas encruzilhadas,seus ardis e emboscadas, ou como um encaminhamento, que possui um trajeto determinado, um percurso orientado, linear, nidirecional, com começo, etapas sucessivas e um fim, no duplo sentido do término e
finalidade.

HIPÓTESES PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Guaracy Silveira surgiu num país, que buscava uma identidade, e as classes médias urbanas
pressionavam pela participação política. A vida política na sociedade brasileira sofria o domínio dos governadores e coronéis. A sociedade brasileira lutava por reformas, que possibilitassem maior participação política das classes médias urbanas emergentes no cenário político nacional. O movimento conhecido como Tenentismo representou o anseio de mudanças dessa classe média urbana; porém, extremamente dependente da oligarquia, não conseguiu elaborar uma proposta clara e definida de mudanças estruturais da sociedade brasileira.Essa dependência da classe média em relação à oligarquia expressou-se no conflito de Guaracy Silveira com a ala marxista do Partido Socialista Brasileiro, pelo qual foi eleito deputado constituinte por São Paulo em 1933, que o acusa de ligação com a FUP – Frente Única Paulista, formada pelo Partido Republicano e
Partido Democrático em S. Paulo. A pátria era uma questão de importância muito maior do que é hoje para as igrejas metodistas. Essa preocupação pela pátria veio no bojo do projeto liberal missionário. A República Velha viu crescer um sentimento nacionalista, que criticava cada vez mais fortemente o liberalismo e sua incapacidade de modernizar o país. Intelectuais, operários, militares expressaram essa crítica e todo esse movimento desaguou na revolução de 1930.
A igreja metodista nacional indígena autóctone não aconteceu com o movimento de autonomia, porque: a) os princípios liberais não permitiam aterrizar na complexa cultura brasileira e assumir sua identidade; b) o projeto existiu apenas como aspiração, não chegando nunca a ser articulado devido à dependência econômica e ideológica da oligarquia.
A atuação política de Guaracy Silveira expressa as contradições próprias da classe branca, pobre e livre,
que segundo os estudos do prof. Antonio G. Mendonça, publicados no livro ‘O Celeste Porvir’ (1984) foi o
extrato social em que se desenvolveu o protestantismo brasileiro.
As relações de Guaracy Silveira com os operários e os comunistas numa sociedade, em que as
reivindicações eram tratadas como caso de polícia, apontam o esforço das lideranças metodistas em
responder às questões sociais e trabalhistas, apoiadas no Credo Social da Igreja Metodista norte-americana.
A eleição de um pastor protestante para o Congresso Nacional contribuiu para aproximar católicos e
metodistas, ameaçados pelo crescimento do comunismo junto às classes trabalhadoras.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
HILL, Christopher. O Eleito de Deus. – Oliver Cromwell e a revolução inglesa. S. Paulo: Cia. das Letras.
1988;
JOSGRILBERG, Rui; O Movimento da Autonomia: perspectiva dos nacionais. In REILY, D. A. (org).
História, Metodismo, Libertações. São Bernardo do Campo-SP: EDITEO, 1990:p.93-134.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa Mendonça. O Celeste Porvir – A inserção do protestantismo no Brasil.
S. Paulo: Editora Paulinas, 1984.
REVEL, Jacques; Microanálise e construção do social.. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a
experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
SCHMIDT, Benito Bisso; Construindo Biografias – Historiadores e Jornalistas: Aproximações e
Afastamentos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: no. 19, 1997.Disponível em:
. Acesso em: 06mai.2005.
SILVEIRA, Guaracy; “Entre Christo e Barabbás”. Discurso proferido na Igreja Metodista do Catete-RJ, 28
de junho de 1920. Datilografado.
SILVEIRA, Guaracy; Minha Vida Pastoral. Sem data. p.6.Texto manuscrito.
SINDER, Valter. A Reinvenção do Passado e a Articulação de Sentidos: o Novo Romance Histórico
Brasileiro. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 14, no. 26, 2000:p.253-264. Disponível em:
. Acesso em: 06mai.2005
VEYNE, Paul. Como se Escreve a História; Edições 70. Lisboa. 1971.

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