quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Que União Europeia?

Que União Europeia?:
Após o flagelo da Segunda Guerra Mundial a Europa fica dividida por dois blocos geo-estratégicos gerados pelas potências vencedoras da guerra. A leste pelo totalitarismo comunista com sede em Moscovo e a oeste pelas forças democráticas apoiadas por Washington e por alguns regimes autoritários que sobreviveram quase ilesos, pois adoptaram uma posição neutral durante o conflito. Durante o século XX a Europa perdeu fatalmente em todo o mundo. Perdeu peso económico e político e com a descolonização perdeu o acesso às matérias-primas. Perante as cinzas da velha e gloriosa Europa ressurgiu instantaneamente a oportunidade para a transformar definitivamente num novo modelo de unidade política. A ideia do modelo federal dos Estados Unidos da Europa, despertada então, remonta ao filósofo liberal francês de grande actuação política, Victor Hugo, no século XIX. Este modelo foi apoiado no século seguinte, logo a seguir à Primeira Guerra Mundial, pelo futuro presidente italiano, Luigi Einaudi, que propõe em 1918 uma Europa Unida, pelo Conde Coudenhove-Kalergi que criou um movimento politico-intelectual de enorme peso, contando com distintas personalidades eurofederalistas tais como: Albert Einstein; Ortega y Gasset; Winston Churchill; Konrad Adeneuer; Thomas Mann; Miguel de Unamuno; Sigmund Freud. Outro apoio para o projecto federalista foi dado por Aristide Briand diplomata e chefe-de-estado francês, que aceita, em 1927, a presidência do movimento pan-europeu e apresenta propostas para a união federativa da Europa nos planos económico, social e político.

Em 1945 reúnem-se em três conferências: Estaline pela URSS, Roosevelt pelos EUA e Churchill pela Grã-Bretanha resultando na criação da ONU, a 26 de Junho, cuja finalidade é a manutenção da paz e a descolonização total. Quatro anos depois, em 1949, é constituída a OTAN que integrou a Europa numa lógica de blocos geo-estratégicos, comandada pelos EUA. Dois momentos tornam-se nesta altura decisivos para a consolidação do projecto federal: o impulso político sustentado no discurso de Winston Churchill, pronunciado em 1946 e o impulso económico com base no discurso do General Marshall pronunciado em 1947. Winston Churchill propôs: recrear a família europeia; providenciar para dar à Europa a paz e a liberdade; a construção de uma espécie de Estados Unidos da Europa. Por outro lado, o Plano Marshall foi visto como um dos primeiros elementos da integração europeia, já que anulou barreiras comerciais e criou instituições para coordenar a economia a nível continental através de uma gerência multinacional. Uma consequência, intencionada, foi a adopção sistemática de técnicas administrativas norte-americanas condicionando a Europa à força económica dos EUA. Os países da Europa Oriental foram também convidados, mas, o ditador José Estaline viu o Plano como uma ameaça e não permitiu a participação de nenhum país sob o controle soviético. Os benefícios imediatos do Plano foram o resultado de políticas de laissez faire que permitiram a estabilização dos mercados através do crescimento económico.

O Conde Coudenhove-Kalergi, dando nova contribuição para a união, propôs a abolição das barreiras aduaneiras entre os estados e a cedência de partes da soberania pelos parlamentos nacionais, apontando para uma Europa una, militar, económica e politicamente capaz de se defender do expansionismo militar da URSS e do domínio económico dos EUA. Entretanto, Jean Monnet, um bem relacionado político francês, actuando nos bastidores dos governos europeus e americanos como um internacionalista pragmático, lança a ideia de uma autoridade supranacional, onde os Estados abdicariam de certas áreas de soberania, e apresenta um projecto para uma economia europeia de base franco-alemã. Jean Monnet viria a formar o eixo franco-alemão e foi o principal inspirador da famosa “Declaração Schuman” de 9 de Maio de 1950, que conduziu à criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), considerada o acto fundador da União Europeia. Robert Schuman, com a sua declaração, visava pôr em conjunto a produção franco-alemã do carvão e do aço, sob uma autoridade comum supranacional. A grande novidade, aqui, é que quem manda neste mercado comum não é a França nem a Alemanha, nem qualquer outro Estado-membro, mas sim uma Alta Autoridade que é uma instituição supranacional. O 1º Pilar da Construção da EU é, assim, a constituição de uma unidade supranacional e o primeiro sector posto em comum o mercado do carvão e do aço. O Tratado de Paris, a 18 de Abril de 1951, instituiu a CECA. O objectivo final, contudo, é a paz europeia, o progresso social e a tão ambicionada Europa Federal. Tendo sempre na mira a União Federal, o passo seguinte viria a ser os tratados de Roma, a 25 de Março de 1957, elaborados por Paul-Henri Spaak, que instituíram a CEE e a CEEA-EURATOM que administra a energia atómica. Os objectivos da CEE eram a livre circulação de mercadorias (desmantelamento aduaneiro), de pessoas e de serviços, o direito de estabelecimento em outros países da Comunidade, liberdade de trocas e uma política agrícola comum. As Instituições da CEE são a Assembleia Europeia, o Conselho, a Comissão como nova designação para a Alta Autoridade e o Tribunal de Justiça.

A justificação para a Unidade Política da Europa tem normalmente três argumentos fortes: o argumento identitário que se refere a uma identidade comum que deve ser preservada, restaurada ou defendida de um poder externo hostil ou de um factor interno de desagregação; o argumento de prevenção da catástrofe cuja unidade é justificada pela necessidade de uma defesa colectiva e o argumento da emancipação humana que se entende como um projecto global de libertação do homem da menoridade e da ignorância. Os argumentos, identitário e de prevenção da catástrofe, foram predominantes desde Jiri Podiebrad, o rei da Boémia, no século XV com a necessidade de unir a cristandade e travar o avanço dos turcos, visando também o estabelecimento da Paz, da União, da Fraternidade e da Concórdia entre os príncipes e reis cristãos, até ao século XVIII com o projecto de paz perpétua de Saint-Pierre e Jacques Rousseau que entendiam que as ligações entre os povos europeus são de hábitos, crenças, vida intelectual, comércio, religião, etc., formando uma verdadeira sociedade europeia.

Marcando ruptura com Antigo Regime, o precursor do socialismo utópico, Saint-Simon, defende a soberania popular, a soberania dos povos europeus. É o primeiro a falar em parlamento europeu. Critica o modelo da Paz Perpétua e defende o princípio parlamentar, o princípio da soberania popular. A grande ideia é a criação de um parlamento comum que represente os povos e não os Estados. Faz a proposta de uma forma mais profunda de uma união política, não entre estados, mas entre povos (nações) numa instituição adequada ao efeito: um Parlamento Europeu. Assim, apela à unidade das nações europeias numa representação única para acabar com as guerras e propõe que os cientistas tomem o lugar dos padres para conduzir a era Moderna. Porém, a propriedade privada não caberia no seu novo sistema industrial. Entendia que a sociedade seria perfeita depois de reformar o Cristianismo. O “novo Cristianismo” substituiria o “Cristianismo degenerado”, que teria como imperativo a justiça social e a fraternidade entre os homens resultando num mundo de homens livres. Nesta altura abandona-se o modelo confederativo, cujo último defensor de peso foi Immanuel Kant, e apostam-se as energias no modelo federativo. A federação de Estados não resulta de um tratado mas de uma constituição, o que significa a união de Estados-membros num só Estado central que se rege por normas constitucionais comuns a todos os membros. Os Estados federados são Estados não-soberanos, não têm personalidade internacional, enquanto que, a confederação é uma associação de Estados soberanos, formada por um tratado internacional para fins determinados.

Entretanto, a partir da Revolução Francesa, de 1789, vincadamente liberal, surge um novo conceito de liberdade. Um líder francês da esquerda-liberal, Benjamin Constant, faz uma crítica negativa do que considera ser a liberdade dos antigos, caracterizando-a pelo exercício colectivo e directo, com uma participação activa e constante do cidadão no poder político, onde se deliberava na praça pública sobre a guerra e a paz. O cidadão votava as leis; procedia a julgamentos, examinava as contas, etc. Contudo, Benjamin Constat argumentava que o indivíduo tinha que estar submisso à autoridade do todo, que as acções privadas estavam sujeitas a vigilância e que nada era deixado à independência individual. A autoridade intervinha nas relações domésticas e as leis regulamentavam os costumes. Conclui que o indivíduo era soberano nas questões públicas mas escravo nos assuntos privados e que havia uma forte tendência para a guerra. A obtenção de poder vinha através da guerra e cada cidadão de Roma, de Atenas ou de Esparta era uma autoridade. Assim, Constant lança as bases de um novo paradigma de liberdade, a liberdade deixa de se identificar com a liberdade dos indivíduos no Estado ("liberdade no") e passa a existir em relação ao Estado ("liberdade de"). A liberdade dos antigos é a liberdade no Estado, a liberdade dentro do Estado, enquanto que a liberdade dos modernos é a liberdade perante o Estado. Constat sugere, ainda, a proposta de um governo representativo, a nação deverá delegar em certos indivíduos aquilo que não quer ou não pode fazer por si própria. A Liberdade para Constat é: o direito de não se submeter senão às leis e de não poder ser possível a vontade arbitrária; o direito de exprimir a sua opinião; o direito de propriedade; o direito de reunir-se com outros; o direito de cada qual influir na administração do governo. Entendia que a obtenção de poder através do comércio provoca uma tendência para a paz. Mas, neste modelo a influência pessoal é um elemento imperceptível na vontade social e o indivíduo perdido na multidão não se apercebe da sua influência, porém tem garantido a segurança do seu bem-estar privado e chama-se liberdade às garantias que as instituições concedem a esse bem-estar. Premeia-se o amor pela emancipação individual, o gozo da independência privada e a segurança dos privilégios pessoais. A Liberdade individual é o novo paradigma político-social devendo a autoridade ter respeito pelos hábitos, afectos e independência dos cidadãos. A liberdade dos modernos é um verdadeiro tratado individualista. Privilegia-se, neste modelo de liberdade, o comércio porque emancipa os indivíduos e torna a autoridade dependente, provocando que os particulares se tornem mais fortes do que os poderes políticos. Há o sonho da felicidade através do bem-estar que o jogo comercial permitirá. O comércio competitivo toma o lugar do amor de Deus.

Na actualidade a legitimidade para a União Europeia reduz-se aos argumentos económicos assentes na prosperidade e aos argumentos de política interna assentes na paz entre os estados europeus. Os eurofederalistas entendem que a economia global obriga a que a Europa opte rapidamente pelo modelo da federação, que entretanto foi abortado, mas que, no seu lugar nos legou um modelo supranacional. Este novo modelo, incrivelmente indefinível no momento, ronda a obscuridade pois ninguém sabe ao certo o que é. Sabe-se que é algo mais do que uma confederação, mas menos do que uma federação. A Europa política globalizada precisa de uma ideia que a justifique, entendem os federalistas, e como tal, há urgência em encontrar uma ideia para a Europa que não se quer apenas política, mas que permita criar um Povo Europeu, ou seja, uma totalidade de indivíduos ligados por vínculos comuns sob um Estado Europeu. Pretendem os globalizadores, que surja, uma sociedade civil transnacional, um espaço público multinacional e instituições supranacionais. Esta ideia de Europa deve assentar no modo de vida, no modo de pensar, num futuro comum, na justiça global, na prosperidade interna com preocupações no exterior, na preservação do princípio da humanidade como fim em si e do princípio de cidadania. Dizem-nos que a nova identidade europeia, não se reconhece nas suas raízes nem nos valores herdados, não corresponde ao que a Europa foi, mas sugere aquilo que a Europa poderá ser. Mas, para que todos estes planos se cumpram falta ainda uma constituição comum.

Jurgen Habermas, eurofederalista, defensor de uma ética universalista deontológica formal, sustenta que a Europa necessita de uma Constituição. Afirma que as vantagens económicas, alicerçadas numa mundivisão neo-liberal, constituem o argumento para uma mais ampla construção da EU. Habermas entende que o universalismo igualitário e individualista é uma grande conquista da Europa moderna. Porém, para sua tristeza, o termo Federalismo é hoje evitado, mas não é por acaso que se omite esse palavrão aos povos europeus. É amplamente sabido da antipatia que o projecto de unificação provoca, quer pelos efeitos negativos da globalização quer pela ausência de um modelo efectivamente coeso e motivador. Por outro lado, a inflação e o agravamento do custo de vida, que diminuiu o poder de compra, trazido pela moeda única, o Euro, gelou os ânimos e quebrou as ilusões utópicas. A ameaça hoje já não são as guerras sangrentas entre os povos europeus, mas sim, uma paz podre que corrói o coração de cada europeu, que todos sentem mas que ninguém sabe explicar as causas nem prever os efeitos terríveis na hora da decomposição total.

Apesar das tentativas para a dispersão colectiva e para o aniquilar da consciência nacional há um ensejo de regresso ao Estado-Nação. A defesa da forma de vida sustentada por elevados padrões de consumo está-se a tornar insustentável. Os eurofederalistas já não conseguem convencer os povos, apenas, usando o argumento das vantagens económicas. Inevitavelmente terão que oferecer um projecto de atracção cultural com base numa argumentação de tipo identitário. Surge aqui um problema: a globalização é de todo incompatível com um meio colectivo coeso, com uma comunidade forte alicerçada nos valores ancestrais. A Europa actual tornou-se num mero mercado e tem vindo a perder peso com a globalização, e a transição para o capitalismo transnacional tem provocado uma cada vez mais desigual partilha de recursos. Por isso, há a necessidade de se contrariar as consequências indesejáveis de tais decisões políticas, há que repensar o caminho percorrido até aqui, há que abandonar o nível megalómano de bem-estar social geral com base na despesa supérflua em que cada indivíduo vale por aquilo que consome.

O padrão de valores que tem vindo a combinar o individualismo privado com o colectivismo público tem resultado em penoso fracasso, pois o individualismo engoliu completamente o colectivismo. Verificou-se ainda que a globalização económica afectou a margem de manobra dos governos nacionais, e que os grupos de pressão impõem sem dificuldade as suas vontades individuais ao poder colectivo. Como resultado lamentável, o Estado, aprisionado ao estigma do autoritarismo, surge agora totalmente permissivo, assim, qualquer que seja a política escolhida, os governos estão obrigados a adaptar-se aos constrangimentos dos mercados mundiais desregulados. A mundivisão neo-liberal materializada nas desgraças globais provocadas pelo triunfo do individualismo, do subjectivismo e do materialismo tornou-se um pesadelo. A União Europeia pode ser vista como um enorme laboratório onde as conclusões obtidas lançam o homem europeu cada vez mais na incerteza, no desespero, na falta de esperança e na falta de um móbil para a vida. Por outro lado, considera-se que o défice democrático das autoridades de Bruxelas é cada vez mais uma fonte de insatisfação crescente entre a população em geral.

Um dos problemas mais difíceis de resolver dá-se ao nível da redistribuição de riquezas em que a falta de solidariedade cívica é descomunal. Aumenta o fosso entre ricos e pobres. Mesmo assim, os eurofederalistas encorajam o projecto de uma Constituição europeia federalista, sabendo que as novas formas de identidade nacional possuem carácter artificial, pois transformam os cidadãos em grupos fragmentados de indivíduos desenraizados. O objectivo declarado dos eurofederalistas é a promoção de novas constelações de poder e para isso apresentam com orgulho o universalismo igualitário e individualista como uma das maiores conquistas da Europa moderna. A Carta Europeia dos Direitos Fundamentais determina o direito de cada pessoa à sua integridade física e mental. Tem realmente um fim nobre, todavia assistimos a um aumento da criminalidade de toda a espécie e a uma impunidade crescente. Alguma coisa está a falhar. Perante a aceitação de algum falhanço do projecto inicial de união, advogam agora que melhor do que um rompimento ou um desmoronamento, será sempre preferível uma Europa a duas ou três velocidades.

A subsidariedade tem sido o princípio funcional que tem mantido vivo o projecto da união, mas, será sustentável? e até quando?! Razões não faltam para um esclarecedor debate entre federalistas e nacionalistas.

Do blog Filosofia Tradicional

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