sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

As duas ideologias dominantes na Europa


euro.jpgDesde o início da União Europeia, tem havido um conflito entre os defensores de dois ideais diferentes.  Qual postura o continente europeu deve adotar: a visão liberal-clássica ou visão socialista?  A introdução do euro teve um papel decisivo sobre as estratégias dessas duas visões.[1] Para se entender melhor os problemas causados pela adoção de uma moeda única, bem como a história por trás de sua adoção, é importante estar familiarizado com essas duas visões divergentes e essenciais, assim como as subsequentes tensões que vieram à tona em decorrência de uma moeda única. A visão liberal-clássica
Os pais fundadores da União Europeia, Maurice Schuman (França [nascido em Luxemburgo]), Konrad Adenauer (Alemanha) e Alcide de Gasperi (Itália), todos católicos que falavam alemão, eram adeptos da visão liberal-clássica para a Europa.[2] Eles também eram democratas-cristãos.  A visão liberal-clássica considera a liberdade individual como sendo o mais importante valor cultural dos europeus e do cristianismo.  De acordo com essa visão, a função dos estados soberanos europeus é proteger os direitos de propriedade e a economia de livre mercado em uma Europa de fronteiras abertas, permitindo desta forma o livre comércio de bens, serviços e ideias.
O Tratado de Roma, assinado em 1957, foi a principal realização para a criação de uma Europa baseada no liberalismo clássico.  O tratado estabeleceu quatro liberdades básicas: livre circulação de bens, livre oferta de serviços, livre movimentação de capital financeiro e livre migração.  O tratado também restaurou direitos que haviam sido essenciais para a Europa durante a vigência do período liberal-clássico no século XIX, mas que haviam sido abandonados durante a era do nacionalismo e do socialismo.  O tratado representou a rejeição da era do socialismo, período esse que havia gerado conflitos entre as nações européias, culminando em duas guerras mundiais.
A visão liberal-clássica visa à restauração das liberdades do século XIX.  A livre concorrência, sem barreiras à entrada nos mercados, deveria prevalecer em um mercado comum europeu.  De acordo com essa visão, ninguém poderia proibir um cabeleireiro alemão de cortar cabelos na Espanha, e ninguém poderia tributar um inglês que quisesse transferir dinheiro de um banco alemão para um banco francês, ou que quisesse investir no mercado de ações da Itália.  Ninguém poderia impedir, por meio de regulamentações, que uma cervejeira francesa vendesse suas cervejas na Alemanha.  Nenhum governo poderia dar subsídios, algo que distorce e corrompe o sistema de livre concorrência.  Ninguém poderia impedir que um dinamarquês fugisse de seu estado assistencialista e de sua alta carga tributária e migrasse para um estado com uma carga tributária mais baixa, como a Irlanda.
Para atingir esse ideal de cooperação pacífica e prosperidade comercial, o único pré-requisito necessário seria a liberdade.  De acordo com essa visão, não haveria nenhuma necessidade de se criar um superestado europeu.  Com efeito, a visão liberal-clássica é completamente cética no que concerne a um estado central europeu; tal criação é considerada prejudicial e perniciosa para as liberdades individuais.  Filosoficamente falando, muitos defensores dessa visão são inspirados pelo catolicismo, e as fronteiras da comunidade europeia são definidas pelo cristianismo.
De acordo com a doutrina social católica, o princípio da subsidiariedade deveria prevalecer: os problemas deveriam ser resolvidos no nível mais baixo e menos concentrado possível dos arranjos.  A única instituição centralizada europeia aceitável seria uma Corte de Justiça Europeia, com suas atividades sendo restritas à resolução de conflitos entre os estados-membros e à garantia das quatro liberdades básicas.
Do ponto de vista liberal-clássico, deveria haver vários sistemas políticos concorrentes, como ocorreu na Europa durante séculos.  Desde a Idade Média até o século XIX, existiram sistemas políticos muito diferentes, tais como as cidades independentes de Flandres (região no noroeste da Europa, que inclui partes da Bélgica, França e Holanda), da Alemanha e do norte da Itália.  Havia reinados, como os da Bavária e da Saxônia, e havia repúblicas, como a de Veneza.  A diversidade política era demonstrada de modo mais explícito na fortemente descentralizada Alemanha.  Sob essa cultura de diversidade e pluralismo, a ciência e a indústria se desenvolveram e prosperaram.[3]
A concorrência em todos os níveis é essencial para a visão liberal-clássica.  Ela gera uma congruência, uma vez que a qualidade dos produtos, os preços dos fatores de produção e, principalmente, os salários tendem a convergir.  O capital vai para os locais onde os salários são menores, o que provoca sua elevação; os trabalhadores, por outro lado, vão para onde os salários são mais altos, o que faz com que essa maior oferta de mão-de-obra os reduza.  Os mercados oferecem soluções descentralizadas para os problemas ambientais, baseando-se na propriedade privada.  A concorrência política assegura o mais importante valor europeu: a liberdade.
A concorrência tributária promove alíquotas de impostos mais baixas, bem como a responsabilidade fiscal.  As pessoas "votam com seus pés", saindo dos países com carga tributária abusiva, como fazem as empresas.  Nações soberanas concorrendo entre si com diferentes cargas tributárias são vistas como a melhor proteção contra a tirania.  A concorrência também se dá na questão das moedas.  Diferentes autoridades monetárias competem para oferecer a moeda de maior qualidade.  As autoridades que oferecem moedas mais estáveis exercem pressão sobre as autoridades mais displicentes, e estas são obrigadas a se adequar e seguir o exemplo daquelas.
A visão socialista
Em direta oposição à visão liberal-clássica tem-se a visão socialista ou imperial da Europa, defendida por políticos como Jacques Delors e François Mitterrand.  Uma coalizão de interesses estatistas entre grupos nacionalistas, socialistas e conservadores faz o que pode para promover e avançar sua agenda.  Tal coalizão quer ver a União Europeia como um império ou uma fortaleza: protecionista para quem está de fora e intervencionista para quem está dentro.  Esses estatistas sonham com um estado centralizado e controlado por tecnocratas eficientes — atributo este que todos os tecnocratas estatistas imaginam ter.
Dentro desse ideal, o centro do Império deveria governar toda a periferia.  Haveria uma legislação comum e centralizada.  Os defensores da visão socialista para a Europa querem erigir um megaestado europeu, reproduzindo as nações-estado em um nível continental.  Eles querem um estado assistencialista europeu que garanta a redistribuição de riqueza, a regulamentação econômica e a harmonização das legislações dentro da Europa.  A harmonização dos impostos e as regulamentações sociais seriam executadas pelo mais alto escalão da burocracia.  Se o imposto sobre valor agregado estiver variando entre 15 e 25% dentro União Europeia, os socialistas iriam harmonizá-lo em 25% para todos os países.  Tal harmonização das regulamentações sociais é do interesse dos mais protegidos, mais ricos e mais produtivos trabalhadores, que podem "arcar" com os custos dessas regulamentações — ao passo que seus concorrentes não podem.  Por exemplo, se as regulamentações sociais alemãs fossem aplicadas aos poloneses, estes teriam grandes problemas para concorrer com aqueles.
A intenção desse ideal socialista é conceder cada vez mais poderes para o estado central — isto é, para Bruxelas.  A visão socialista para a Europa é a ideal para a classe política, para os burocratas, para os grupos de interesse, para os privilegiados e para os setores subsidiados que querem criar um poderoso estado central visando ao seu próprio enriquecimento.  Partidários dessa visão apresentam um megaestado europeu como uma necessidade, e consideram sua total implementação apenas uma questão de tempo.
Ao longo desse caminho socialista, o estado central europeu iria se tornar um dia tão poderoso, que os estados soberanos passariam a lhe prestar total subserviência.  (Já podemos ver os primeiros indicadores de tal subserviência no caso da Grécia.  A Grécia se comporta hoje como um protetorado de Bruxelas, que diz ao governo grego como ele deve lidar com seu déficit orçamentário.)
A visão socialista não fornece nenhuma limitação geográfica explícita para o estado europeu — ao contrário da visão liberal-clássica inspirada no catolicismo.  A concorrência política é vista como um obstáculo para o estado central, o qual, no ideário socialista, deve sair completamente de qualquer controle por parte do público.  Nesse sentido, o estado central na visão socialista se torna cada vez menos democrático à medida que o poder vai sendo deslocado para burocratas e tecnocratas. (Um bom exemplo disso é a Comissão Europeia, o corpo executivo da União Europeia.  Os membros da comissão não são eleitos, mas sim designados pelos governos dos estados-membros.)
Historicamente, os precedentes para esse velho plano socialista de criar um estado central controlador na Europa foram estabelecidos por Carlos Magno, Napoleão, Stalin e Hitler.  A diferença, entretanto, é que dessa vez nenhum meio militar seria necessário.  Seria a mera coerção do poder estatal a mola propulsora para a criação de um poderoso estado central europeu.
De um ponto de vista tático, situações específicas de crise seriam utilizadas pelos partidários da visão socialista para criar novas instituições (tais como o Banco Central Europeu (BCE), ou, possivelmente no futuro, um Ministério Europeu das Finanças), bem como para ampliar os poderes das atuais instituições, como a Comissão Europeia ou o próprio BCE. [4]
Conclusão
A visão liberal-clássica e a visão socialista para a Europa são irreconciliáveis.  Com efeito, o aumento no poder de um estado central — como proposto pela visão socialista — implica uma redução das quatro liberdade básicas, e certamente liberdades civis cada vez menores.
O futuro europeu não é promissor.
Fonte: INSTITUTO LUDWIG VON MISES

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