sábado, 13 de outubro de 2012

Maluf, um atleta político



Maluf, um atleta político
Roberto Campos
13/08/98

Como fanático da causa do serviço público, Paulo Maluf sabe ganhar e perder eleições sem descrer da democracia

Quando assentar a poeira e a história penetrar friamente os homens e os eventos de nossa década perdida de 80, haverá um redimensionamento da silhueta dos políticos.
A década foi uma ladainha de erros. Os militares erraram em não promover a liberalização econômica antes da política. Os civis erraram porque completaram a liberalização política, mas agravaram o autoritarismo econômico. Os planos de estabilização chamados heterodoxos introduziram a suprema forma de autoritarismo econômico _o congelamento de preços, salários, taxa de câmbio e, na era Collor, o sequestro das poupanças privadas.
O último grande erro da era militar foi a política de informática, que provocou a desmodernização da indústria e excluiu o Brasil da corrida tecnológica. Os civis agravaram o obscurantismo informático e lhe adicionaram dois erros: a moratória unilateral da dívida externa, em 87, e a Constituição de 88, híbrida na política, utópica no social e superintervencionista na economia. O país estagnou até 1994; estamos gastando uma década para reformá-la.
A história futura não tratará bem os principais responsáveis pela orientação demagógica e antimercado dessa Carta _Ulysses Guimarães e Mário Covas, os líderes do PMDB, partido que detinha a maioria absoluta no Congresso. E reabilitará os liberais, que acreditaram na superioridade do mercado capitalista, lutaram contra os monopólios estatais e o obscurantismo "reacionalistóide" e advertiram contra as pseudoconquistas sociais, que provocaram desemprego e elevaram o "custo Brasil".
Nessa reavaliação histórica, como se comportará a imagem de Paulo Maluf? Foi um atleta político. Ganhou e perdeu sem nunca se rebelar contra a vontade do eleitor, voltando sempre ao esforço penoso de persuasão política.
É sabido que muitas figuras, inclusive Ulysses, anticandidato civil em 1973, trouxeram contribuição importante à redemocratização. O que é menos sabido é que, por ousar desafiar o sistema militar de dentro da Arena (e, depois, de dentro do PDS), Maluf provocou uma dissensão interna que contribuiria eficazmente para "civilianizar" o regime e apressar o fim do ciclo militar.
Seu primeiro desafio ao sistema foi mobilizar a Assembléia Legislativa de São Paulo para não ratificar passivamente Laudo Natel, candidato à governança ungido pelo Planalto. Maluf elegeu-se governador pelo voto indireto da Assembléia e se provou grande fazedor de obras, devendo-se-lhe a grande maioria de projetos de modernização da infra-estrutura paulista.
Mais importante: apressou o fim do interregno militar ao se lançar como candidato civil à Presidência em 1984, contrariando o dispositivo militar que favorecia o coronel Mário Andreazza, que daria sobrevida ao regime. Essa rebelião civil dentro do sistema provocou uma cisão, que levou à criação do PFL e viabilizou a eleição de Tancredo Neves. Se o PDS tivesse ficado unido em torno de um candidato militar, a vitória da oposição e a restauração democrática em 1985 seriam adiadas.
Há políticos que prosperam cultivando o modismo efêmero e há os temporariamente derrotados por fidelidade ao fundamental. A maioria dos políticos de minha geração tremia de medo ante duas vacas sagradas: o monopólio estatal do petróleo da década de 50 e, 30 anos depois, a política de informática. O único político de projeção a questionar os dois mitos foi Maluf.
Ele ousou criticar a distorção de investimentos da Petrobrás, que até a segunda crise do petróleo dedicava dois terços desses investimentos a atividades complementares e não à pesquisa e à exploração. Fê-lo com a Paulipetro, concebida originalmente para fazer contratos de risco, usando recursos estrangeiros e não nacionais. Essa modalidade de contrato foi bloqueada pela Petrobrás, que não queria competidores independentes nessa área; mas ela teve de mudar de orientação, deslocando tardiamente seus investimentos para pesquisa e exploração.
Nenhum dos grandes políticos brasileiros, inclusive Tancredo, se insurgiu contra a estagnação trazida pela política de informática, que nos negou o passaporte à sociedade do conhecimento. Fê-lo Maluf, que, como industrial, sabia dos perigos da desmodernização.
Até o colapso do Muro de Berlim, era "politicamente incorreto" falar de privatização, liberalismo ou capitalismo. Novamente, Maluf era a exceção.
Tem até hoje curso entre nós a imbecil idéia de que o capitalismo liberal descura do bem-estar e é indiferente à pobreza. A evidência histórica é totalmente contrária. É precisamente o capitalismo liberal, pela liberação das energias criadoras, que tem propiciado a cura da pobreza; os Estados Unidos são pioneiros em absorver miseráveis do mundo inteiro em busca de melhor opção de vida, fugindo de países socialistas ou dirigistas. Os liberais, que querem que o Estado deixe de ser mau empresário para ser bom samaritano, são os verdadeiros amigos dos pobres.
Como prefeito de São Paulo, Maluf provou outra vez que, para um empresário esclarecido, a sensibilidade social não é opção, mas obrigação. Paralelamente a importantes obras viárias, sem as quais a metrópole estaria paralisada, surgiram iniciativas sociais de inspiração criativa: o projeto Cingapura (habitação popular), o PAS (atendimento à saúde) e o programa Leve-Leite.
Sem ficar chorando no muro das lamentações pela ruinosa herança que recebeu do "governo popular" petista, Maluf, sem temer arreganhos corporativistas, fechou a CMTC, economizando US$ 1 milhão de déficit diário. O Cingapura é hoje considerado um modelo pelo Banco Mundial; o PAS foi criado sem aumento de impostos.
Como fanático da causa do serviço público, Maluf sabe ganhar e perder eleições sem descrer da democracia. Nos casos em que foi derrotado, nem São Paulo nem o Brasil ganharam. Perdeu para Tancredo a eleição presidencial indireta de 1985, mas este não chegou a governar. Não se sabe o que Tancredo faria, mas se sabe o que Maluf não faria: não destruiria o sistema de preços com os congelamentos dos planos heterodoxos, não arruinaria o crédito brasileiro com a moratória, não endossaria a demagogia intervencionista da Constituição de 88 e não confiscaria a poupança, como fez Collor.
Perdeu a prefeitura para Erundina, que inchou o funcionalismo e paralisou obras, coisas que certamente não melhoraram o bem-estar de São Paulo. Perdeu o governo para Quércia e Fleury, nenhum dos quais passará à história como honesto realizador de obras e modernizador de instituições.
São Paulo, após repetidos erros de escolha, merece entrar no próximo milênio sob um governo eficiente e dinâmico, que não gaste anos a lamentar o passado ou a acomodar pressões corporativas. Maluf é agora candidato. Os amigos desse grande Estado só podem desejar que desta vez São Paulo acerte.

Roberto Campos, 81, economista e diplomata, é deputado federal pelo PPB-RJ. Foi senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Editora Topbooks, 1994).

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