quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eu me orgulho de ser paulista


Não desejo contestar o legítimo interesse do presidente do Senado em desenvolver o seu Estado e a sua região. Acontece que, no afã de fazê-lo, o Sr. Antonio Carlos Magalhães cometeu uma injustiça com São Paulo e seus habitantes – inclusive o razoável contingente de baianos que aqui vivem e trabalham. Afirmou ele, em entrevista ao Estadão, que "a riqueza de São Paulo é oriunda do capital criado pelo Nordeste". Segundo ele, esse capital se acumulou graças às exportações nordestinas de cacau e açúcar. Há um equívoco histórico nessa assertiva. Creio que se faz necessário repará-lo. Com todo o respeito, senador, a verdade é bem diferente.

Em primeiro lugar, vamos deixar de lado a famosa e equivocada lenda do "paulista quatrocentão". Podemos descartá-la, porque essa espécie simplesmente não existe. Aponte-me um único, ao menos, para contestar a minha afirmação.

Lembro-me de, nos tempos de faculdade, ter lido um livro de uma brasilianista sobre a industrialização de São Paulo. Numa passagem, ao que me recordo, o autor faz uma relação das famílias mais ricas e importantes da cidade à época (década de 20). Causou-me forte impressão. Os nomes ali constantes eram quase todos conhecidos – mas como denominação de ruas… Raros eram os sobrenomes ilustres que tinham descendentes ainda pertencendo á elite econômica paulistana.

Nós, paulistas, não temos elites multisseculares. Poucos, aliás, são os que se podem arvorar em pertencer a uma família centenária. Quem busca "quatrocentões" faz melhor se os procurar no Nordeste.

Mas, meu respeitável senador, não seria essa implacável reciclagem um dos fatores principais da prosperidade de São Paulo? O senhor já reparou que os sobrenomes em evidência, por aqui, são quase todos de origem italiana, árabe, espanhola, judaica, etc.? Os nomes "brasileiros", de fato, ou são originários de uma imigração portuguesa recente (século 19) ou provenientes de outros Estados, merecendo destaque, aí, os do Nordeste…

No início do século passado, quando o ciclo de prosperidade da canavieira do Nordeste já se havia encerrado, a "poderosa" capital de São Paulo contava com uma população de apenas 8 mil almas. Era uma cidade pobre e acanhada. Não tinha, nem de longe, o esplendor do Rio de Janeiro, ou mesmo de Salvador.

Como, então, São Paulo se tornou a megalópole que é hoje? Embora seja tema de diversas controvérsias, há consenso no que tange ao papel decisivo desempenhado pelo café e pela imigração.

O café, até então uma cultura nômade, nos chegou pela exaustão das terras fluminenses. Se por aqui se radicou, foi graças ao talento dos colonos estrangeiros que conheciam técnicas básicas de preservação do solo.

A cidade de São Paulo só viria a conhecer o progresso, de fato, a partir de 1870, após a inauguração da São Paulo Railway, a estrada de ferro (Santos-Jundiaí) que ligava as regiões produtoras ao Porto de Santos. A nossa capital, por estar a meio caminho, tornou-se, então, um próspero entreposto comercial. E nunca mais parou de crescer.

E quanto aos lendários "barões do café"? Não seriam eles as raízes seculares de nossas elites? As evidências históricas demonstram que não. Eles construíram belas mansões, é verdade. Mas sua herança se resume a isso.

Cabe lembrar, fato não muito conhecido, que os títulos de nobreza conferidos pelo Império do Brasil tinham características muito peculiares. Não eram hereditários, não vinham acompanhados de terras ou rendas vitalícias, serviam apenas para a acomodação política cós interesses da Corte. Ninguém se tornava rico e poderoso por ser barão – ao contrário, tornava-se barão justamente por já ser rico e poderoso…

Foram eles, por acaso, que "industrializaram" São Paulo? Outro mito histórico. Os capitães da indústria paulista eram, quase todos, imigrantes. Pessoas que se dedicavam ao comércio de café e atividades afins. Essa nova elite já emergira na segunda década do nosso século e foi ela que tomou as rédeas da economia desde então. Graças aos seus contatos comerciais e financeiros com o exterior, obtiveram capitais para a construção de toda a infra-estrutura básica que serviu de alicerce para a nossa pujança.

Quando, décadas após, JK deu o arranque decisivo para a industrialização do Brasil, o pólo de concentração do parque fabril – em razão da estrutura já existente – só poderia ser por São Paulo. Foi assim como no caso dos títulos nobiliárquicos: não foram elas que geraram riqueza, foi a riqueza, já existente, que os gerou.

É por essas razões, meu candidato senador, que tenho imenso orgulho de ser paulista. A sociedade de São Paulo jamais se petrificou. Ao contrário, oi graças aos inúmeros imigrantes, de todas as raças, credos e cores, que aqui se gerou um ambiente fértil para a combinação de culturas, a competitividades, a engenhosidade e a abertura de oportunidades. Vale lembrar que a população nordestina em São Paulo é maior do que a de qualquer capital do Nordeste. É esse cadinho fervilhante de culturas – como hoje concordam os grandes historiadores – que gera a ascensão e a prosperidade dos povos. Haja vista o exemplo de Portugal, nos éculos 17 e 18; dos EUA, nos séculos 19 e 20.

Senador Antonio Carlos Magalhães, tenho pelo senhor grande respeito e admiração. O senhor é aguerrido, preparado e honra, como ninguém, os votos do povo de seu Estado.

Mas, como paulista, eu lhe peço que não mais guarde preconceitos ou ressentimentos contra nós. Não temos o menor interesse em criar obstáculos ao desenvolvimento da Bahia. O senhor, como tantos outros seus conterrâneos, será sempre recebido de braços abertos por todos nós.

São Paulo não é pujante em função do acaso. Nem é próspero à custa dos demais.

São Paulo é grande porque seu povo também o é.

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