sexta-feira, 30 de julho de 2010

Por que o Nazismo era Socialismo e por que o Socialismo é Totalitário

Minha intenção hoje é expor dois pontos principais: (1) Mostrar que a Alemanha Nazista era um estado socialista, e não capitalista. E (2) mostrar por que o socialismo, compreendido como um sistema econômico baseado na propriedade estatal dos meios de produção, necessariamente requer uma ditadura totalitária.
A caracterização da Alemanha Nazista como um estado socialista foi uma das grandes contribuições de Ludwig von Mises.
Quando nos recordamos de que a palavra "Nazi" era uma abreviatura de " der Nationalsozialistische Deutsche Arbeiters Partei" - Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães - a caracterização de Mises pode não parecer tão notável. O que se poderia esperar do sistema econômico de um país comandado por um partido com "socialista" no nome além de ser socialista?
Não obstante, além de Mises e seus leitores, praticamente ninguém pensa na Alemanha Nazista como um estado socialista. É muito mais comum se acreditar que ela representou um forma de capitalistmo, aquilo que comunistas e marxistas em geral têm alegado.
A base do argumento de que a Alemanha Nazista era capitalista é o fato de que a maioria das industrias foram aparentemente  deixadas em mãos privadas.
O que Mises identificou foi que a propriedade privada dos meios de produção existia apenas nominalmente sob o regime Nazista, e que o verdadeiro conteúdo da propriedade dos meios de produção residia no governo alemão. Pois era o governo alemão e não o proprietário privado nominal quem decidia o que deveria ser produzido, em qual quantidade, por quais métodos, e a quem seria distribuído, bem como quais preços seriam cobrados e quais salários seriam pagos, e quais dividendos ou outras rendas seria permitido ao proprietário privado nominal receber. A posição do que se alega terem sido proprietários privados era reduzida essencialmente à função de pensionistas do governo, como Mises demonstrou.
A propriedade governamental "de fato" dos meios de produção, como Mises definiu, era uma conseqüência lógica de princípios coletivistas fundamentais adotados pelos nazistas como o de que o bem comum vem antes do bem privado e de que o indivíduo existe como meio para os fins do Estado. Se o indivíduo é um meio para os fins do Estado, então, é claro, também o é sua propriedade. Do mesmo modo em que ele pertence ao Estado, sua propriedade também pertence.
Mas o que especificamente estabeleceu o socialismo "de fato" na Alemanha Nazista foi a introdução do controle de preços e salários em 1936. Tais controles foram impostos como resposta ao aumento na oferta de dinheiro [N.T.] praticada pelo regime nazista desde a época da sua chegada ao poder, no início de 1933. O governo nazista aumentou a oferta de dinheiro no mercado como meio de financiar o vasto aumento nos gastos governamentais devido a seus programas de infra-estrutura, subsídios e rearmamento. O controle de preços e salários foi imposto em resposta ao aumento de preços resultante desta inflação.
O efeito causado pela combinação entre inflação e controle de preços foi a escassez, ou seja, a situação na qual a quantidade de bens que as pessoas tentam comprar excede a quantidade disponível para a venda.
As escassezes, por sua vez, resultam em caos econômico.Não se trata apenas da situação em que consumidores que chegam mais cedo estão em posição de adquirir todo o estoque de bens, deixando o consumidor que chega mais tarde sem nada - uma situação a que os governos tipicamente respondem impondo racionamentos. Escassezes resultam em caos por todo o sistema econômico. Elas tornam aleatória a ditribuição de suprimentos entre as regiões geográficas, a alocação de um fator de produção dentre seus diferentes produtos, a alocação de trabalho e capital dentre os diferentes ramos do sistema econômico.
Face à combinação de controle de preços e escassezes, o efeito da diminuição na oferta de um item não é, como seria em um mercado livre, o aumento do preço e da lucratividade, operando o fim da diminuição da oferta, ou a reversão da diminuição se esta tiver ido longe demais. O controle de preços proíbe o aumento do preço e da lucratividade. Ao mesmo tempo, as escassezes causadas pelo controle de preços impedem que aumentos na oferta reduzam o preço e a lucratividade de um bem. Quando há uma escassez, o efeito de um aumento na oferta é apenas a redução da severidade desta escassez. Apenas quando a escassez é totalmente eliminada é que um aumento na oferta necessita de uma diminuição no preço, trazendo consigo uma diminuição na lucratividade.
Como resultado, a combinação de controle de preços e escassezes torna possíveis movimentos aleatórios de oferta sem qualquer efeito no preço ou na lucratividade. Nesta situação, a produção de bens dos mais triviais e desimportantes, como bichinhos de pelúcia, pode ser expandida às custas da produção dos bens importantes e necessários, como medicamentos, sem efeito sobre o preço ou lucratividade de nenhum dos bens. O controle de preços impediria que a produção de remédios se tornasse mais lucrativa conforme a sua oferta fosse diminuindo, enquanto a escassez mesmo de bichinhos de pelúcia impediria que sua produção se tornasse menos lucrativa conforme sua oferta fosse aumentando.
Como Mises demonstrou,  para lidar com os efeitos indesejados decorrentes do controle de preços, o governo deve abolir o controle de preços ou ampliar tais medidas, precisamente, o controle sobre o que é produzido, em qual quantidade, através de quais métodos, e a quem é distribuído, ao qual me referi anteriormente. A combinação de controle de preços com estas medidas ampliadas constituem a socialização "de fato" do sistema econômico. Pois significa que o governo exerce todos os poderes substantivos de propriedade.
Este foi o socialismo instituído pelos nazistas. Mises o chama de modelo alemão ou nazista de socialismo, em contraste ao mais óbvio socialismo dos soviéticos, ao qual ele chama de modelo russo ou bolchevique de socialismo.
O socialismo, é claro, não acaba com o caos causado pela destruição do sistema de preços. Ele apenas perpetua esse caos. E se introduzido sem a existência prévia de controle de preços, seu efeito é inaugurar este mesmo caos. Isto porque o socialismo não é verdadeiramente um sistema econômico positivo. É meramente a negação do capitalismo e seu sistema de preços. E como tal, a natureza essencial do socialismo é a mesma do caos econômico resultante da destruição do sistema de preços através do controle de preços e salários. (Eu quero demonstrar que a imposição de cotas de produção no estilo bolchevique de socialismo, com a presença de incentivos por todos os lados para que estas sejam excedidas, é uma fórmula certa para a escassez universal da mesma forma como ocorre quando se controla preços e salários.)
No máximo, o socialismo meramente muda a direção do caos. O controle do governo sobre a produção pode tornar possível uma maior produção de alguns bens de especial importância para si mesmo, mas faz isso às custas de uma devastação através de todo o resto do sistema econômico. Isto porque o governo não tem como saber dos efeitos no resto do sistema econômico da sua garantia da produção dos bens aos quais atribue especial importância.
Os requisitos para a manutenção do sistema de controle de preços e salários trazem à luz a natureza totalitária do socialismo - mais obviamente, é claro, na variante alemã ou nazista de socialismo, mas também no estilo soviético.
Podemos começar com o fato de que o auto-interesse financeiro dos vendedores operando sob o controle de preços seja de contornar tais controles e aumentar seus preços. Compradores, antes impossibilitados de obter os bens, estão dispostos, na verdade, ansiosos para pagar estes preços mais altos como meio de garantir os bens por eles desejados. Nestas circunstâncias, o que pode impedir o aumento dos preços e o desenvolvimento de um imenso mercado negro?
A resposta é a combinação de penas severas com uma grande probabilidade de ser pego e, então, realmente punido. É provável que meras multas não gerem a dissuasão necessária. Elas serão tidas como simplesmente um custo adicional. Se o governo deseja realmente fazer valer o controle de preços, é necessário que imponha penalidades comparadas àquelas dos piores crimes.
Mas a mera existência de tais penas não é o bastante. O governo deve tornar realmente perigosa a  condução de transações no mercado negro. Deve fazer com que as pessoas temam que agindo desta maneira possam, de alguma maneira, ser descobertas pela polícia, acabando na cadeia. Para criar tal temor, o governo deve criar um exército de espiões e informantes secretos. Por exemplo, o governo deve fazer com que o dono da loja e o seu cliente tenham medo de que, caso venham a se engajar em uma transação no mercado negro, algum outro cliente na loja vá lhe informar.
Devido à privacidade e sigilo em que muitas transações no mercado negro ocorrem, o governo deve ainda fazer com que qualquer participante de tais transações tenha medo de que a outra parte possa ser um agente da polícia tentando apanhá-lo. O governo deve fazer com que as pessoas temam até mesmo seus parceiros de longa data, amigos e parentes, pois até eles podem ser informantes.
E, finalmente, para obter condenações, o governo deve colocar a decisão sobre a inocência ou culpa em casos de transações no mercado negro nas mão de um tribunal administrativo ou seus agentes de polícia presentes. Não pode contar com julgamentos por júris, devido à dificuldade de se encontrar número suficiente de jurados dispostos a condenar a vários anos de cadeia um homem cujo crime foi vender alguns quilos de carne ou um par de sapatos acima do preço máximo fixado.
Em suma, a partir daí o requisito apenas para a aplicação das regulações de controle de preços é a adoção de características essenciais de um estado totalitário, nominadamente o estabelecimento de uma categoria de "crimes econômicos", na qual a pacífica busca pelo auto-interesse material seja tratada como uma ofensa criminosa grave, e o estabelecimento de um aparato de polícia totalitário repleto de espiões e informantes e o poder de prisões arbitrárias.
Claramente, a aplicação e fiscalização do controle de preços requere um governo similar à Alemanha de Hitler ou a Rússia de Stalin, no qual praticamente qualquer um pode ser um espião da polícia e no qual uma polícia secreta existe e tem o poder de prender pessoas. Se o governo não está disposto a ir tão longe, então, nesta medida, o controle de preços se prova inaplicável e simplesmente entra em colapso. O mercado negro, então, assume maiores proporções. (Incidentalmente, não se sugere que o controle de preços foi a causa do reino de terror instituído pelos nazistas. Estes iniciaram seu reino de terror bem antes do decretamento do controle de preços. Como resultado, o controle de preços foi decretado em um ambiente feito para a sua aplicação.)
As atividades do mercado negro exigem o cometimento de outros crimes. Sob o socialismo "de fato", a produção e a venda de bens no mercado negro exige o desafio às regulações governamentais no que diz respeito à produção e à distribuição, bem como o desafio ao controle de preços. Por exemplo, o governo pretende que os bens que são vendidos no mercado negro sejam distribuídos de acordo com seu planejamento, e não de acordo com o do mercado negro. O governo pretende, igualmente, que os fatores de produção usados para se produzir aqueles bens sejam utilizados de acordo com o seu planejamento, e não com o propósito de suprir o mercado negro.
Sobre um sistema socialista "de direito", como o que existia na Rússia soviética, no qual o ordenamento jurídico do país aberta e explicitamente tornava o governo o proprietário dos meios de produção, toda a atividade do mercado negro, necessariamente, exige a apropriação indébita ou o roubo da propriedade estatal. Por exemplo, considerava-se que os trabalhadores e gerentes de fábricas na Rússia soviética que tiravam produtos destas para vender no mercado negro estavam roubando matéria-prima fornecida pelo Estado.
Além disso, em qualquer tipo de estado socialista, nazista ou comunista, o plano econômico do governo é parte da lei suprema do país. Temos uma boa idéia de quão caótico o chamado processo de planejamento do socialismo é. O distúrbio adicional causado pelo desvio para o mercado negro de materiais e suprimentos para produção é algo que o estado socialista toma como um ato de sabotagem ao planejamento econômico nacional. E sabotagem é como o ordenamento jurídico dos estados socialistas se refere a isto. Em concordância com este fato, atividades de mercado negro são, com freqüência, punidas com pena de morte.
Um fato fundamental que explica o reino de terror generalizado encontrado sob o socialismo é o incrível dilema em que o estado socialista se coloca em relação à massa de seus cidadãos. Por um lado, o estado assume total responsabilidade pelo bem-estar econômico individual. O estilo de socialismo russo ou bolchevique declara abertamente esta responsabilidade - esta é a fonte principal do seu apelo popular. Por outro lado, o estado socialista desempenha essa função de maneira desastrosa, tornando a vida do indivíduo um pesadelo.
Todos os dias de sua vida, o cidadão de um estado socialista tem de perder tempo em infindáveis filas de espera. Para ele, os problemas enfrentados pelos americanos com a escassez de gasolina nos anos 70 são normais; só que ele não enfrenta este problema em relação à gasolina - pois ele não tem um carro nem a esperança de jamais ter um - mas em relação a itens de vestimento, verduras, frutas, e até mesmo pão. Pior ainda, ele é forçado a trabalhar em um emprego que não foi por ele escolhido e que, por isso, deve odiar. (Já que sob escassezes, o governo acaba por decidir a alocação de trabalho da mesma maneira que faz com a alocação de fatores de produção materiais.) E ele vive em uma situação de inacreditável superlotação, com quase nenhuma chance de privacidade. (Frente à escassez habitacional, hóspedes são designados a moradias; famílias são obrigadas a compartilharem apartamentos. E um sistema de passaportes e vistos internos é adotado a fim de limitar a severidade da  escassez habitacional em áreas mais desejáveis do país.) Expondo suavemente, uma pessoa forçada a viver em tais condições deve ferver de ressentimento e hostilidade.
Contra quem seria lógico que os cidadãos de um estado socialista dirigissem seu ressentimento e hostilidade se não o próprio estado socialista? Contra o mesmo estado socialista que proclamou sua responsabilidade pela vida deles, prometeu uma vida de bençãos, e que é responsável por proporcionar-lhes  uma vida de inferno. De fato, os dirigentes de um estado socialista vivem um dilema no qual diariamente encorajam o povo a acreditar que o socialismo é um sistema perfeito em que maus resultados só podem ser fruto do trabalho de pessoas más. Se isso fosse verdade, quem poderiam estas pessoas más serem senão os próprios líderes, que não apenas tornaram a vida um inferno, mas perverteram a este ponto um sistema supostamente perfeito?
A isso se segue que os dirigentes de um estado socialista devem temer seu povo. Pela lógica das suas ações e ensinamentos, o fervilhante e borbulhante ressentimento do povo deveria jorrar e engolí-los numa orgia de vingança sangrenta. Os dirigentes sentem isso, ainda que não admitam abertamente; e portanto a sua maior preocupação é sempre manter fechada a tampa da cidadania.
Conseqüentemente, é verdadeiro mas bastante inadequado dizer apenas coisas como que o socialmo carece de liberdade de imprensa e expressão. Carece, é claro, destas liberdade. Se o governo é dono de todos os jornais e gráficas, se ele decide para quais propósitos a prensa e o papel devem ser disponibilizados, então obviamente nada que o goveno não desejar poderá ser impresso. Se a ele pertencem todos os salões de assembléias e encontros, nenhum pronunciamento público ou palestra que o governo não queira poderá ser feita. Mas o socialismo vai muito além da mera falta de liberdade de imprensa e de expressão.
Um governo socialista aniquila totalmente estas liberdades. Transforma a imprensa e todo foro público em veículos de propaganda histérica em prol de si mesmo, e pratica cruéis perseguições a todo aquele que ouse desviar-se uma polegada da linha do partido oficial.
A razão para isto é o medo que o dirigente socialista tem do povo. Para se proteger, eles devem ordenar   que o ministério da propaganda e a polícia secreta corram atrás do prejuízo. Um deve tentar desviar constantemente a atenção do povo da responsabilidade do socialismo, e dos dirigentes socialistas, sobre a miséria do povo. O outro deve desestimular e silenciar qualquer pessoa que possa mesmo que remotamente sugerir a responsabilidade do socialsmo ou de seus dirigentes - desestimular qualquer um que comece a mostrar sinais de estar pensando por si mesmo. É por causa do terror dos dirigentes, e da sua necessidade desesperada de encontrar bodes-expiatórios para as falhas do socialismo, que a imprensa de um país socialista está sempre cheia de histórias sobre conspirações e sabotagens estrangeiras, e sobre corrupção e mau gerenciamento da parte de oficiais subordinados, e por que, periodicamente, é necessário desmascarar conspirações domésticas e sacrificar oficiais superiores e facções inteiras do partido em gigantescos expurgos.
E é por causa do seu terror, e da sua necessidade desesperada de esmagar qualquer suspiro de oposição em potencial, que os dirigentes do socialismo não ousam permitir nem mesmo atividades puramente culturais que não estejam sob o controle do Estado. Pois se o povo se reúne para uma amostra de arte ou um sarau de literário que não seja controlado pelo Estado, os dirigentes devem temer a disseminação de idéias perigosas. Quaisquer idéias não-autorizadas são idéias perigosas, pois podem levar o povo a pensar por si mesmo e, a partir daí, começar a pensar sobre a natureza do socialismo e de seus dirigentes. Estes devem temer a reunião espontânea de qualquer punhado de pessoas em uma sala, e usar a polícia secreta e seu aparato de espiões, informantes, e mesmo o terror para impedir tais encontros ou ter certeza de que seu conteúdo é inteiramente inofensivo do ponto de vista do Estado.
O socialismo não pode ser mantido por muito tempo, exceto através do terror. Assim que o terror é relaxado, ressentimento e hostilidade logicamente começam a jorrar contra seus dirigentes. O palco está montado, então, para uma revolução ou uma guerra civil. De fato, na ausência de terror, ou, mais corretamente, de um grau suficiente de terror, o socialismo seria caracterizado por uma infindável série de revoluções e guerras civis, conforme cada novo grupo dirigente se mostrasse tão incapaz de fazer o socialismo funcionar quanto foram seus predecessores. A inescapável conclusão a ser traçada é a de que o terror experimentado nos países socialistas não foi simplesmente culpa de homens maus, como Stalin, mas algo que brota da natureza do sistema socialista. Stalin vem à frente porque sua incomum perspicácia e disposição no uso do terror foram as características específicas mais necessárias para um líder socialista se manter no poder. Ele ascendeu ao topo através de um processo de seleção natural socialista: a seleção do pior.
É preciso antecipar um possível mal-entendido em relação à minha teses de que o socialismo é totalitário por natureza. Diz respeito aos países supostamente socialistas dirigidos por social-democratas, como a Suécia e outros países escandinavos, que claramente não são ditaduras totalitárias.
Neste caso, é necessário que se entenda que não sendo estes países totalitários, não são também socialistas. Os partidos que os governam podem até sustentar o socialismo como sua filosofia e seu fim último, mas socialismo não é o que eles implementaram como seu sistema econômico. Na verdade, o sistema econômico vigente em tais países é a economia de mercado obstruída, como Mises definiu. Ainda que seja mais obstruído do que o nosso em aspectos importantes, seu sistema econômico é essencialmente similar ao nosso, no qual a força motora característica da produção e da atividade econômica não é o governo, mas sim a iniciativa privada motivada pela perspectiva de lucro.
A razão pela qual social-democratas não estabelecem o socialismo quando estão no poder, é que eles não estão dispostos a fazer o que seria necessário. O estabelecimento do socialismo como um sistema econômico requer um ato massivo de roubo - os meios de produção devem ser expropriados de seus donos e tomados pelo Estado. É virtualmente certo que tais expropriações provoquem grande resistência por parte dos proprietários, resistência que só pode ser vencida pelo uso de força bruta.
Os comunistas estavam e estão dispostos a usar esta força, como evidenciado na União Soviética. Seu caráter é o dos ladrões armados preparados para matar se isso se mostrar necessário para dar cabo dos seus planos. O caráter dos social-democratas, em contraste, é mais próximo dos batedores de carteira, que podem falar em coisas grandes algum dia, mas que de fato não estão dispostos a praticar a matança que seria necessária, e então desistem ao menor sinal de resistência séria.
Já os nazistas, em geral não tiveram que matar para expropriar a propriedade dos alemães, fora os judeus. Isto porque, como vimos, eles estabeleceram o socialismo discretamente, através do controle de preços, que serviu para manter a aparência de propriedade privada. Os proprietários eram, então, privados da sua propriedade sem saber e, portanto, sem sentir a necessidade de defendê-la pela força.
Creio ter demonstrado que o socialismo - o socialismo de verdade - é totalitário pela sua própria natureza.

Atualmente nos Estados Unidos não temos nenhum tipo de socialismo. E não temos uma ditadura, muito menos uma ditadura totalitária.
Não temos também, ainda, fascismo, ainda que estejamos indo nesta direção. Entre os elementos essenciais que ainda faltam estão o sistema unipartidário e a censura. Ainda temos liberdade de expressão e imprensa e eleições livres, ainda que ambas venham sendo minadas e sua existência não possa ser garantida.
O que nós temos é uma economia de mercado obstruída que está se tornando mais e mais obstruída por uma intervenção governamental cada vez maior, caracterizada por uma crescente perda da liberdade individual. O crescimento da intervenção econômica governamental é diretamente relacionado com a liberdade individual pois significa uma crescente iniciação de violência para fazer com que as pessoas façam o que não escolheriam fazer voluntariamente ou para impedí-las de fazer o que voluntariamente escolheriam fazer.
Já que o indivíduo é o melhor juiz dos seus próprios interesses, e ao menos em regra é do seu interesse evitar aquilo que afeta negativamente seus interesses, segue que quanto maior a intervenção governamental, mais os indivíduos são impedidos de fazer aquilo que os beneficiariam, sendo compelidos, em vez disso, a fazer o que lhes causam perdas.
Hoje, nos Estados Unidos, os gastos governamentais no âmbito federal, estadual e municipal somam quase a metade da renda do conjunto de cidadãos que não trabalham para o governo. Quinze gabinetes de ministérios federais, e um número ainda maior de agências regulatórias federais, juntos, na maior parte das vezes com seus correspondentes no âmbito estadual e municipal, costumeiramente intrometem-se em virtualmente todas as áreas da vida do cidadão. Este é, de inúmeras maneiras, taxado, forçado e proibido.
Os efeitos desta pesada interferência governamental são desemprego, aumento de preços, queda de salários reais, necessidade de se trabalhar mais tempo e mais pesado e uma crescente insegurança econômica. Soma-se a isso o crescente ódio e ressentimento.
Embora a política governamental de intervenção na economia fosse o seu alvo lógico, o ódio e o ressentimento sentidos pelas pessoas acabam, em vez disso, sendo direcionados aos empresários e aos ricos. Trata-se de um equívoco alimentado em grande parte pela inveja e ignorância da imprensa e do establishment intelectual.
Em conformidade com esta atitude, desde o colapso da bolha do mercado de ações, que foi na verdade gerada pela política de expansão do crédito implementada pelo Fed e depois "furada" pelo abandono temporário de tal política, o ministério público tem adotado o que parece ser uma política particularmente vingativa contra executivos acusados de desonestidades financeiras, como se as suas ações fossem responsáveis pelas extensas perdas resultantes do colapso da bolha. Neste sentido, o ex-presidente de uma das maiores empresas de telecomunicações foi sentenciado recentemente a 25 anos de prisão. Outros executivos de ponta passaram por situação parecida.
De maneira ainda mais preocupante, o poder governamental de obter o mero indiciamento criminal se tornou equivalente ao de destruir uma firma, como ocorreu no caso da Arthur Andersen, uma grande firma de contabilidade. A simples ameaça do uso deste poder foi suficiente para forçar grandes corretoras de seguros nos Estados Unidos a mudarem sua administração ao gosto do Procurador-Geral de Justiça do Estado de Nova York. Não há outra maneira de descrever tais acontecimentos senão como condenação e punição sem julgamento e como extorsão governamental. Estes têm sido os principais passos de um caminho muito perigoso.
Felizmente, ainda há suficiente liberdade nos Estados Unidos para desfazer todo o estrago que foi feito até agora. Há, antes de mais nada, liberdade de elencar e denunciar publicamente tais fatos.
Além disso, existe a liberdade de se analizar e refutar as idéias que sustentam as políticas destrutivas que vêm sendo adotadas ou que possam vir a ser adotadas. E isso é muito importante, já que o fator fundamental de sustentação do intervencionismo e, é claro, também do socialismo, seja nazismo ou comunismo, é nada mais do que idéias equivocadas, sobretudo equivocadas econômica e filosoficamente.
Existe agora uma ampla e crescente literatura que apresenta idéias sólidas nestes dois campos vitais, Na minha opinião, os dois autores mais importantes desta literatura são Ludwig von Mises e Ayn Rand. Um abrangente conhecimento dos seus escritos é um pré-requisito indispensável ao sucesso na defesa da liberdade individual e do livre-mercado.
Este instituto, o Ludwig von Mises Institute, é o líder mundial na disseminação das idéias de Mises. Apresenta uma corrente constante de análises baseadas nas suas idéias, análises que aparecem em jornais acadêmicos, livros e períodicos e em artigos diariamente publicados no website do instituto, tratando de questões atuais. O Mises Institute educa estudantes secundaristas, universitários e jovens professores nas idéias de Mises e nas idéias próximas de outros membros da Escola Austríaca de Economia. Faz isto através do Mises Summer University, do Austrian Scholars Conference, e uma variedade de outros seminários.
Duas maneiras princpais de se lutar pela liberdade são educar a si mesmo ao ponto de tornar-se apto a falar e escrever de maneira articulada em sua defesa, como o fazem os acadêmicos associados a este instituto, ou, na ausência de tempo ou inclinação para dedicar-se a tais atividades, apoiar o instituto em seu trabalho vital da maneira que for possível.
É possível virar a maré. Nenhuma pessoa sozinha pode fazê-lo. Mas um número amplo e crescente de pessoas inteligentes, educadas na causa da liberdade econômica, falando e debatendo em sua defesa sempre que possível, é capaz de formar gradualmente a postura da cultura e, assim, da natureza do sistema econômico e político.
Vocês na platéia já estão envolvidos neste grande esforço. Espero que todos continuem e intensifiquem este compromisso.
* Este artigo é fruto de uma palestra dada no seminário "The Economics of Fascism, Supporters Summit 2005", no Mises Institute. O copyright © 2005 pertence a George Reisman. É dada a permissão para reprodução e distribuição eletrônica e impressão, exceto como parte de livro. (Notificação por email necessária).Todos os direitos reservados.
** George Reisman, Ph.D., é professor de economia (aposentado) na Graziadio School of Business and Management da Pepperdine University, em Los Angeles, e é o autor de Capitalism: A Treatise on Economics  (Ottawa, Illinois: Jameson Books, 1996), do qual partes deste artigo foram retiradas. Seu website é www.capitalism.net. Contate-o, veja o seu Arquivo de Artigos Diários, e comente no seu blog.
[N.T.] Do original " inflation of the money supply"

Tradução de Fábio M. Ostermann
George Reisman Ph.D. é o autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: http://www.capitalism.net/. Seu blog www.georgereisman.com/blog/.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque


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Julio César Bueno


"Eu creio no Cristianismo tal como creio que o Sol nasceu,não apenas porque o vejo mas porque através dele eu vejo todas as outras coisas." (Clive Staples Lewis)

Influência dos mosteiros no renascimento econômico medieval

Influência dos mosteiros no renascimento econômico medieval


Para Henry Goddell, presidente do Massachusetts Agricultural College, os monges salvaram a agricultura durante 1.500 anos.

Eles procuravam locais longínquos e inacessíveis para viver na solidão. 

Lá, secavam brejos e limpavam florestas, de maneira que a área ficava apta a ser habitada.
Novas cidades nasciam em volta dos conventos.

O terreno em torno da abadia de Thorney, na Inglaterra, era um labirinto de córregos escuros, charcos largos, pântanos que transbordavam periodicamente, árvores caídas, áreas vegetais podres, infestados de animais perigosos e nuvens de insetos.

Abadia de Thorney
A natureza abandonada a si própria, sem a mão ordenadora e protetora do homem, encontrava-se no caos.

Cinco séculos depois, William de Malmesbury (1096-1143) descreveu assim o mesmo local: "É uma figura do Paraíso, onde o requinte e a pureza do Céu parecem já se refletir. [...] Nenhuma polegada de terra, até onde o olho alcança, permanece inculta. A terra é ocultada pelas árvores frutíferas; as vinhas se estendem sobre a terra ou se apóiam em treliças. A natureza e a arte rivalizam uma com a outra, uma fornecendo tudo o que a outra não produz. Oh profunda e prazenteira solidão! Foste dada por Deus aos monges para que sua vida mortal possa levá-los diariamente mais perto do Céu!” (p. 31). Mais tarde o protestantismo reduziu Thorney a ruínas, mas estas ainda emocionam os turistas.

Aonde chegavam, os monges introduziam grãos, indústrias, métodos de produção que o povo nunca tinha visto.

Selecionavam raças de animais e sementes, faziam cerveja, colhiam mel e frutos.

Na Suécia, criaram o comércio de milho; em Parma, o fabrico de queijo; na Irlanda, criações de salmão; por toda parte plantavam os melhores vinhedos.
Até inventaram a cerveja como a conhecemos hoje e a champagne!

Abadia de Beauport
Represavam a água para os dias de seca. Os mosteiros de Saint-Laurent e Saint-Martin canalizavam água destinada a Paris.

Na Lombardia, ensinaram aos camponeses a irrigação que os fez tão ricos. Cada mosteiro foi uma escola para explorar os recursos da região.

Seria muito difícil encontrar um grupo, em qualquer parte do mundo, cujas contribuições tivessem sido tão variadas, tão significativas e tão indispensáveis como a dos monges do Ocidente na época de miséria e desespero que se seguiu à queda do Império Romano.

Quem mais na História pode ostentar semelhante feito? –– pergunta o historiador Thomas Woods.

Realmente, por mais que se procure, não se encontra.

Brasil é quem mais pede dados privados ao Google

Solicitações de dados do Orkut levam país à liderança do ranking; País também é o que mais pede remoção de conteúdos


O Google tornou público dados que mostram que o Brasil é o país que mais pediu dados privados de pessoas para fins de investigação, com 3.663 solicitações no período analisado, que vai de 1 de julho até 31 de dezembro do ano passado.

O país fica à frente de Estados Unidos (3.580), Reino Unido (1.166), Índia (1.061) e França (846). A China não teve seus dados divulgados, pois são considerados "segredo de estado".

O Brasil lidera também o ranking de "solicitações de remoção", com 291 pedidos, ficando à frente de Alemanha (188), Índia (142), Estados Unidos (123) e Coreia do Sul (64). Do total de pedidos brasileiros, 82,5% foram parcial ou totalmente executados.

As solicitações de remoção se concentraram no Orkut, rede social mais popular do Brasil e que acabou elevando os números do País para cima. Foram ao todo 218 pedidos. Além disso, houve solicitações para os serviços Blogger (26), GMail (4), Google Suggest (1), busca na web (9) e Youtube (33).

Meio & Mensagem > http://www.mmonline.com.br/noticias.mm?url=Brasil_e_quem_mais_pede_dados_privados_ao_Google&origem=mmbymail

Índios querem Estado independente em Roraima

MATHEUS LEITÃO
LEONARDO SOUZA
DE BRASÍLIA

Folha de São Paulo

Um relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) revela preocupação com a criação de um Estado indígena independente em Roraima, "com apoio de governos estrangeiros e ONGs".
O documento, ao qual a Folha teve acesso, foi enviado pelo serviço secreto para o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência em 2010. O texto diz que índios do Estado teriam o desejo de "autonomia política, administrativa e judiciária".
Em nota, o GSI afirmou que "não se pronuncia sobre atividades de inteligência".
O relatório diz que o CIR (Conselho Indígena de Roraima) "passou a defender abertamente a ampliação e demarcação de outras terras indígenas" após o julgamento da reserva Raposa/Serra do Sol pelo STF em 2008.

A preocupação da Abin é que o CIR forme "um cinturão de reservas indígenas". Segundo a Funai, as 32 terras indígenas de Roraima ocupam 46% da área do Estado.
MILÍCIAS ARMADAS
Apesar das rivalidades entre as nove etnias indígenas de Roraimna --que dificultam a criação de um Estado independente-- a Abin acredita na existência de milícias armadas. "Revólveres e espingardas foram encontrados e teriam sido contrabandeadas da Venezuela e da Guiana."
A Abin diz ainda que a advogada licenciada do CIR, Joênia Batista de Carvalho, confidenciou um desejo dos índios junto ao Congresso: a transformação da Raposa/ Serra do Sol no primeiro território autônomo indígena.
A advogada nega e diz que "é absurda a intenção da Abin em procurar o afastamento geral da sociedade contra os índios".
A agência também se mostra preocupada com a ratificação do Brasil à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, assinada em 2007 na ONU. Para a Abin, se confirmado pelo Congresso, torna ineficaz "as restrições elaboradas pelo STF ao usufruto da terra pelos índios".
As ressalvas impostas pela corte são o marco constitucional para terras indígenas e em futuras demarcações. Elas dão usufruto das terras para os índios, mas as mantêm sob as rédeas da União.
"Nós já fizemos a nossa parte. Que o governo seja digno ao fazer a parte dele", afirma o ministro Ayres Britto, relator do processo.
OUTRO LADO
Por e-mail, o CIR informou que "nunca propugnou a criação de uma nação independente" e "sempre atuou no sentido de promover a cidadania plena dos povos indígenas como membros do Estado brasileiro", ajudando "na inclusão de nossos povos como determina a Constituição Federal".

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Brasil fracassa em aspiração de ser potência mundial

Brasil fracassa em aspiração de ser potência mundial

Trechos da entrevista publicada na Folha desta segunda-feira

Sylvia Colombo

Em entrevista concedida à Folha por telefone na semana passada, o historiador mexicano Jorge Castañeda criticou Luiz Inácio Lula da Silva. Para o intelectual, o presidente brasileiro coleciona fracassos em sua política externa e deveria preocupar-se mais com os conflitos regionais, e não em tornar-se protagonista em casos distantes e polêmicos.

Folha – Como o sr. vê a política externa de Lula, em especial no que diz respeito à América Latina?

Jorge Castañeda - A inércia geográfica, econômica e demográfica da América do Sul levou o Brasil a ter um papel de maior liderança do que antes. Isso aconteceria com ou sem o governo Lula. Tudo o que Lula tentou fazer fora do âmbito interno só resultou em fracassos. Tratou de obter um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, não o obteve. Tratou de priorizar a Rodada Doha e não conseguiu nada. Tratou de ser um ator central para que se lograsse um acordo em Copenhague e não só não o alcançou como o Brasil em parte foi responsável para que isso não acontecesse. Tratou de se apresentar como protagonista num acordo nuclear com o Irã, mas sua mediação foi rechaçada pelo mundo inteiro, exceto pela Turquia e pelo próprio Irã.

Mas creio que mais importante é o fato de que Lula se absteve de mediar ou resolver conflitos que estão mais perto do Brasil: Uruguai e Argentina, Colômbia e Venezuela, Peru e Chile, Colômbia e Nicarágua, Chile e Bolívia ou Equador e Peru. Conflitos próximos abundam, e o Brasil não exerceu nenhuma liderança em nenhum desses casos. Tampouco se apresentou para ajudar em problemas internos de outros países da América Latina. Salvo parcialmente no caso da Bolívia, e isso o fez para defender os interesses da Petrobras. Suas aspirações de potência mundial fracassaram, e ele não mostrou interesse de atuar como legítima potência regional.

Como o sr. viu a libertação dos presos cubanos e o papel da Espanha?

A libertação foi um triunfo de Guillermo Fariñas. E um triunfo póstumo de Orlando Zapata. O chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos apareceu sem ser convidado e tratou de obter benefícios políticos por algo que não fez. O importante é que, pela primeira vez, a ditadura cubana enfrentou um cidadão cubano, em Cuba, e perdeu. Ganhou o cidadão. Isso é muito novo e muito significativo. O que não é novo é que Fidel e Raúl Castro usem presos políticos como fichas de negociação com outros países. É lamentável que o governo socialista da Espanha tenha se prestado a essa manobra. Se Cuba quer deportar seus presos, que os deporte, haverá muitos países que os receberão de braços abertos, incluindo os que por lei estão obrigados a fazê-lo, como os EUA.

O que o sr. achou de Hugo Chávez ter exumado os restos mortais de Simón Bolívar? Até que ponto é uma maneira de desviar a atenção pública dos problemas do país?

A questão política é só parte da explicação. Chávez crê muito em magia negra, bruxaria, candomblé etc. E a exumação de restos é uma típica prática dessas artes e crenças. Elas o levaram a exumar os restos do libertador para tomar energia. Creio que ele pensa de verdade que isso pode funcionar.

Trem de Prata tinha conforto sem pressa

25/07/2010 - Agência Estado

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Trem de Prata foi uma tentativa de transporte de passageiros entre Rio e SP. Foto:Divulgação/Christoffer R.
O Brasil já foi um País sobre trilhos. No fim da Segunda Guerra Mundial, as ferrovias intermunicipais e interestaduais transportavam 70 milhões de passageiros por ano, sem contar os trens urbanos. Naquela época, o serviço era feito por 43 operadoras, que iam desde Central do Brasil (RJ) e Companhia Paulista de Estradas de Ferro (SP) até as remotas Nazaré (BA) e Itabapoana (ES), destaca Gerson Toller, especialista no setor. O número de passageiros chegou ao pico de 100 milhões em 1960 - próximo do número que hoje é transportado pelos ônibus em todo País, de 133 milhões.
Praticamente todos os serviços foram extintos no fim do século 20, com a decadência da Rede Ferroviária e da Fepasa. Antes disso, o brasileiro conheceu o glamour ferroviário do Trem de Prata, que fazia o trajeto que o trem-bala deve fazer no futuro, entre Rio e São Paulo. Com vagões aconchegantes e ambientes românticos, a composição circulou entre dezembro de 1994 e novembro de 1998.
A malha ferroviária entre os dois Estados foi construída em 1949 e se chamava Santa Cruz. Durante 40 anos, os trens da operadora circularam pelo trecho, até a última viagem em fevereiro de 1991. O Trem de Prata foi uma tentativa de retomar o transporte de passageiros entre as duas regiões. Em 1994, a Rede Ferroviária decidiu fazer uma parceria com a iniciativa privada e retomou o serviço. O Trem de Prata operava à noite e demorava 9h30 para chegar ao destino.
Mas os passageiros não reclamavam. Em vagões-leito, com banheiro privativo, chuveiro e água quente, eles tinham direito até a um jantar francês, com som ambiente e luz de abajures.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Jordânia é a Palestina

Por Melanie Phillips , no Mídia a mais.

Mandato britânico incluia a Jordânia como parte da Palestina

Opolítico holandês Geert Wilders acertou na mosca:
A Jordânia é a Palestina’, disse Wilders, líder do terceiro maior partido na Holanda. ‘Mudar seu nome para Palestina dará um fim ao conflito no Oriente Médio e proverá aos palestinos uma terra natal alternativa... Há um estado palestino independente desde 1946, e este é o reino da Jordânia’. Wilders também conclamou o governo holandês a se referir à Jordânia como ‘Palestina’ e a mudar sua embaixada para Jerusalém.
Wilders falou a grande verdade inconveniente. Como resultado, está sendo descartada como algo meramente típico daquilo que “a direita” diz. Portanto, é claro, é uma inverdade, com base na premissa de que tudo que “a direita” diz é falso e blá, blá, blá, numa cantilena sem fim.
Acontece que o que Wilders disse não é falso. Qualquer um familiarizado com a história sabe que ele está certo. Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a Palestina consistia daquilo que hoje é a Jordânia, Israel, a Margem Ocidental e a faixa de Gaza. [Ver o mapa]. As grandes potências, ao dividir a região [que até 1918 fazia parte do Império Turco Otomano], decidiram que à Grã-Bretanha deveria ser dado o mandato para administrar a Palestina e nela restaurar o histórico lar nacional judaico. No espaço de poucos anos, todavia, Winston Churchill, por questões de realpolitik, entregou três quartos (3/4) da Palestina para que a dinastia Hashemita fundasse a (Trans)Jordânia (deixando todo o resto para ser colonizado pelos judeus; mas essa é uma outra história).
Logo, a Jordânia é de fato a Palestina. Tal como ressalta Camie Davis, os próprios árabes disseram isso repetidas vezes:
Por décadas, os jordanianos foram ávidos proponentes da posição “A Jordânia é a Palestina”. Eles usaram essa posição como justificativa para a anexação da Margem Ocidental, argumentando que a Palestina era uma única e indivisível unidade e que a Jordânia era o legítimo governante da Palestina...
Nós somos o governo da Palestina, o exército da Palestina e os refugiados da Palestina’. – Primeiro Ministro da Jordânia, Hazza' al-Majali, 23 de agosto de 1959.
A Palestina e a Transjordânia são uma só’. Rei Abdullah, em reunião da Liga Árabe no Cairo, em 12 de abril de 1948.
A Palestina é a Jordânia e a Jordânia é a Palestina; há um só povo e uma só terra, com uma história única e um destino único’. Príncipe Hassan, irmão do Rei Hussein, dirigindo-se à assembléia Nacional Jordaniana em 02 de fevereiro de 1970. 
A Jordânia não é apenas mais um estado árabe no que diz respeito à Palestina, mas em vez disso, a Jordânia é a Palestina e a Palestina é a Jordânia em termos de território, identidade nacional, sofrimentos, esperanças e aspirações’. Ministro da Agricultura jordaniano, em 24 de setembro de 1980.
A verdade é que a Jordânia é a Palestina e a Palestina é a Jordânia’. Rei Hussein, em 1981.
De fato, até 1970, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), comandada por Yasser Arafat, conduziu operações terroristas contra a Jordânia, com a justificativa de que era palestina e que a minoria hashemita estava governando a maioria palestina. Foi somente depois que a Jordânia matou milhares de palestinos no ‘Setembro Negro’ (e quem no Ocidente jamais se importou com isso??) que Israel subitamente tornou-se o ‘único lar histórico dos palestinos’, enquanto a Jordânia era apagada do quadro — e a invenção do ‘palestinismo’ transformou-se na verdade aceita.
Porém, na qualidade de político “palestino”, Zouhair Moussein declarou ao jornal holandês Trouw em 1977 (grata pela dica ao: Israel Matzav):
O povo palestino não existe. A criação de um estado palestino é apenas um meio para continuar nossa luta contra o Estado de Israel e em favor da unidade árabe. Na realidade, hoje não há diferença entre jordanianos, palestinos, sírios e libaneses. Hoje nós falamos sobre a existência de um povo palestino apenas por razões políticas e táticas, uma vez que os interesses nacionais árabes exigem que apresentemos a existência de um “povo palestino” distinto em oposição ao sionismo.
Por razões táticas, a Jordânia, que é um estado soberano com fronteiras definidas, não pode fazer reivindicações sobre Haifa e Jaffa, enquanto eu, como um palestino, posso, sem dúvida nenhuma, exigir Haifa, Jaffa, Beer-Sheva e Jerusalém. Contudo, no momento em que recuperarmos nosso direito sobre toda a Palestina, não esperaremos nem um minuto para unir a Palestina à Jordânia.
É a recusa do Ocidente em reconhecer essa conexão, e em seu lugar deturpar totalmente a história da região e as causas do conflito no Oriente Médio, uma das principais razões pelas quais esse impasse cruel continua até hoje.
Não pode haver paz sem justiça; e não pode haver justiça sem verdade. Wilders falou a verdade. Com a mente ocidental deformada além da razão pelas mentiras, é lógico que ele será vilipendiado e desconsiderado por dizer a verdade. A verdade maior é que a difamação é tanto maior quanto mais “direitista” for aquele que disser a verdade, neutralizando seu desafio às mentiras.
É por isso que os caras maus estão vencendo.
Tradução: Henrique Dmyterko
Publicado originalmente na Spectator.co.uk/melaniephillips em 21/06/2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Filho único queria família grande e já tem 30 filhos e 430 netos

Malthus é o cacete !


Abu Talal al-Najar com alguns integrantes de sua família
Toda vez que uma criança nasce na família, uma cabra é sacrificada.
Ao dirigir por uma rua cheia de poeira e buracos no sul de Gaza para conhecer um dos amantes mais férteis do território, nós nos perdemos. Paramos para perguntar o caminho certo.
"Você conhece a casa de Abu Talal?", eu gritei para fora da janela do carro para um jovem menino na beira da estrada.
"Sim, ele é meu avô", respondeu o garoto.
Você pode estar pensando que esta foi uma grande coincidência - até saber que Abu Talal al-Najar, de 82 anos, tem mais de 430 netos.
Ele também tem 30 filhos e viveu com 11 mulheres diferentes ao longo dos anos. Atualmente, ele tem apenas quatro.

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Un municipio gerundense se declara "independiente" de España

Los grupos municipales de Puerto de la Selva (Gerona) han aprobado este lunes una declaración institucional por la que declaran al municipio catalán "moralmente excluido del ámbito de la Constitución Española". El ayuntamiento cuenta con un concejal del PSC, que ha votado a favor.

El Ayuntamiento de Puerto de la Selva está compuesto por el alcalde y tres concejales, todos ellos de CiU, que forman el gobierno local; y en la oposición dos concejales de una partido local y un representante del PSC, Xavier Barneda, que según informa La voz de Barcelona también ha votado a favor de la declaración.
Todos los grupos municipales de la población han aprobado en sesión extraordinaria una declaración institucional en la que afirman que "ha llegado el momento de cuestionar la soberanía española sobre Cataluña" y, "como representantes legítimos" de los vecinos del municipio gerundense, indican en el texto, han acordado declarar el municipio "moralmente excluido del ámbito de la Constitución Española".
 "La conclusión evidente que se desprende (del fallo del TC) es que las aspiraciones de autogobierno de la nación catalana no tiene cabida en el ordenamiento jurídico", por lo que consideran que "la sentencia del Tribunal Constitucional cierra, entonces, de forma definitiva el techo de autogobierno de Cataluña dentro del Estado español, muy por debajo de las aspiraciones del pueblo de Cataluña, que reclama avanzar hacia nuevas citas de libertad nacional".
Esta corporación municipal considera, además, "que ha llegado el momento de cuestionar la soberanía española sobre Cataluña y, como representantes legítimos de nuestros vecinos acordamos declarar a nuestro municipio moralmente excluido del ámbito de la Constitución Española, en un gesto consciente de afirmación nacional y democrática, de respuesta a esta sentencia humillante".
El alcalde, Genís Pinart (CiU), ha asegurado que se han visto forzados a dar "este paso adelante", recoge La voz de Barcelona. Pinart ha defendido la decisión del Ayuntamiento asegurando que es "un gesto consciente de afirmación nacional y democrática", en respuesta al fallo del Tribunal Constitucional sobre el Estatuto de Cataluña que consideran "una sentencia humillante".

 

sábado, 3 de julho de 2010

Roberto Campos: invejado

Colaborador e executor do Plano de Metas do governo JK, criador do BNDES e do Estatuto da Terra, inventor do plano de reestruturação econômica que possibilitou tirar da faixa de pobreza mais de 30 por cento da nossa população, Roberto Campos fez mais por este país do que qualquer outro intelectual brasileiro da sua geração. Mesmo que sua lição tivesse vindo somente pelo exemplo e não por milhares e milhares de páginas de luminosa graça e potente erudição, ele já teria sido um autêntico instrutor e guia da sua pátria: Magister patriae.
Em retribuição, foi também o mais caluniado, desprezado e aviltado personagem em meio século de História do Brasil. E não são coisas de jornais velhos. Ainda circulam livros didáticos que o mostram às crianças com as feições de um Drácula da economia. Mas, com todos esses quilômetros de papel sujo, seus detratores jamais conseguiram intimidá-lo, perturbá-lo ou extinguir seu bom humor. Conseguiram apenas fazer de si mesmos, coletivamente, um monumento à impotência da calúnia e à glória do caluniado.
O dr. Roberto não estava somente fora do alcance das palavras dessa gente: estava além do seu círculo de visão. Ele foi, num ambiente de crianças perversas, um dos raros exemplares brasileiros do spoudaios - o ‘homem maduro’ da ética de Aristóteles - que, tendo feito da objetividade o seu estado de ânimo natural, encarna a autoridade da razão e por isto está apto a fazer o bem ao seu país. O nome disso é humildade. Pois a humildade, dizia Frithjof Schuon, no fundo é apenas senso do real.

- Olavo de Carvalho, filósofo, artigo para O Globo de 13/10/01

Leia artigos e entrevistas de Roberto Campos neste endereço: http://home.comcast.net/~pensadoresbrasileiros/RobertoCampos/

Em berço esplêndido

Roberto Campos
Domingo 16 de janeiro de 2000

A recente republicação pela Editora TopBooks, do livro do embaixador Meira Penna 'Em Berço Esplêndido' constituiu para mim uma festa cultural de fim de ano, pela espantosa erudição do autor, um corajoso defensor do liberalismo.

Dizia o filósofo Schopenhauer que os primeiros 40 anos da vida humana são 'o texto'; os 30 subsequentes são 'comentários''. Nada diz sobre o resto, pois morreu aos 72 anos. Presume-se que a partir dos 70 a gente vire nota de rodapé.

Orgulho-me de que na minha geração do Itamaraty sobrevivem setentões e oitentões que são campeões de erudição, como Oscar Lorenzo Fernandes (economista, matemático, filósofo e historiador), Mario Vieira de Mello (filósofo e cientista político) e José Oswaldo de Meira Penna, proprietário de cultura ecumênica, que vai da filosofia à sociologia, à psicologia e à literatura.

Felizmente, nenhum deles virou nota de rodapé. Infelizmente, nenhum deles atingiu posições de comando na máquina burocrática de nossa política externa. Zelosos de sua independência crítica, nunca se filiaram às 'igrejinhas' que confundiam deformações ideológicas com 'Realpolitik'.

Durante certo tempo, inclusive em fases do período militar, um diplomata 'progressista'' tinha que demonstrar capacidade de saborear um coquetel maldito, com os seguintes ingredientes: uma pitada de anti-americanismo (como uma espécie de machismo residual); uma dose de esquerdismo (suficiente para provar imunidade ao capitalismo liberal); um toque de paranóia desenvolvimentista (apoio à política de informática e ao acordo nuclear com a Alemanha, que gerou mais dívidas que kilowats); um verniz de terceiromundismo custoso e ingênuo (como se a liderança na gafieira compensasse a bola preta recebida no Country Clube).

Esse coquetel seria impalatável para alguém como Meira Penna, que sempre preferiu Adam Smith a Karl Marx, Hayek a Keynes, Yung a Freud, o liberalismo ao socialismo. Em vez de paparicar mitos e preconceitos, dedicou-se ele à tarefa de Eutzauberung (desencantamento ou desmistificação), que Weber considerava prelúdio indispensável da racionalidade econômica.

Foi o que fez em vários livros como os de minha trilogia preferida 'A psicologia do subdesenvolvimento' (1972), 'O espírito das Revoluções' (1997) e o 'Em berço esplêndido', agora revisto em função das grandes transformações trazidas pelo colapso do socialismo.

Solidários na angústia, Meira Penna e eu nos temos preocupado ao longo dos anos com a pergunta irrespondida: por que o Brasil continua pobre e subdesenvolvido? A pergunta é sobretudo vexatória agora que o país completa 500 anos, 107 anos a mais que a primeira colonização inglesa na Virginia, da qual resultou a maior superpotência que o mundo já conheceu.

Com minha deformação profissional de economista, limito-me a explicar nosso atraso em função da 'doença dos ismos': o nacionalismo (temperamental), o populismo (perdulário), o estruturalismo (inflacionário), o estatismo (intervencionista) e o protecionismo (anticompetitivo).

Há inúmeras explicações sociológicas, que enfatizam fatores culturais, como a herança ibérica, ora com pessimismo racial (Oliveira Vianna), ora com uma visão condescendente da miscegenação (Gilberto Freire). Não faltam os reducionistas que recorrem a determinismos raciais ou climáticos, supostamente limitativos das civilizações tropicais.

Meira Penna é bastante original em usar o instrumental de Carl Gustav Yung para submeter nossa história a um exame de psicologia coletiva. Como é sabido, das três grandes vertentes da psicoanálise, Freud enfatiza a libido pansexual, Adler o instinto do poder e Yung o dualismo entre a atitude extrovertida, voltada para o mundo exterior e a atitude introvertida concentrada sobre imagens e sensações interiores.

Meira Penna sublinha com razão a básica polarização da cultura ocidental entre um setor nórdico e um setor mediterrâneo, tendo o primeiro contribuído maciçamente para a expansão técnico/científica, e o segundo para as artes e o humanismo.

Prometeu e Fausto seriam protótipos do primeiro, Epimeteu é Dom Juan, do segundo. Neste continente, os Estados Unidos e os ex-domínios britânicos seriam parte da cultura nórdica, enquanto o Brasil com sua 'civilização morena'' carrega a herança mediterrânea do patrimonialismo afetivo. Contrapõem-se assim a civilização lógico-pragmática com a civilização erótico-intuicionista.

Meira Penna faz uma crítica impiedosa mas salutar dos nossos vícios do familismo paternalista, da dependência do Estado como se fossemos infantes perpétuos, e de nossa inconfiabilidade na execução contratual, em contraste com o pragmatismo racional de nossos irmãos do norte. Este 'sustenta a responsabilidade abstrata do cidadão', facilitando tanto a implantação da democracia como a competição no mercado.

No afã de exemplificar arquétipos junguianos, Meira Penna produziu belas passagens literárias sobre a introversão quase desumana dos personagens de Machado de Assis, capazes de paixões pessoais porém insensíveis a pessoas abstratas, sobre a energia primordial da libido descrita no 'Gabriela, cravo e canela' de Jorge Amado, assim como em dissertações eruditas sobre a simbologia do segundo Fausto de Goethe e do drama shakespereano de Otelo, que simboliza a construção racional por sua sombra Iago, de um ciúme irracional e autodestrutivo.

A desconstrução por Meira Penna de mitos e tabus de nossa cultura morena é uma contribuição importante para nossa transformação 'liberal' tanto em política como em economia.

Mas fica sempre a dúvida cruel: haverá salvação para um país que em seu hino nacional se declara 'deitado eternamente em berço esplêndido' e cujo maior exemplo de dinâmica associativa espontânea é o Carnaval?

OK, ROBERTO CAMPOS, VOCÊ VENCEU!

Julho de 1959, faixa exibida por "estudantes nacionalistas" na porta do BNDE, Rio de Janeiro: "Abaixo Bob Fields, entreguista do Brasil!". Abril de 1993: manchete do caderno Mais!, da Folha: "OK, Bob! Você venceu!".

Como num filme, esses dois momentos, distantes mais de 30 anos um do outro, poderiam representar algo sobre a abertura e o "happy end" de um enredo sobre a saga política de uma das personalidades mais interessantes da história brasileira no século 20: Roberto de Oliveira Campos, um raro espécime de caubói urbano, originário do Pantanal mato-grossense, duelista militante, alvo predileto e ao mesmo tempo algoz da
irracionalidade vicejante nos debates sobre o desenvolvimento econômico e social do Brasil desde os anos 50 até hoje.

O primeiro momento refere-se a um episódio que retrata uma das características mais marcantes de sua personalidade: o gosto pelo desafio, de preferência quando as circunstâncias lhe eram mais desfavoráveis. Em junho de 1959, com o presidente Kubitschek ameaçando "romper com o FMI", em plena exacerbação nacionalista provocada pela discussão dos "Acordos de Roboré", Roberto Campos simplesmente pôs para fora de sua sala do antigo BNDE, no Rio de Janeiro, a comissão de "estudantes
nacionalistas" que lhe fora exigir explicações sobre a posição favorável à participação de capitais estrangeiros na exploração do petróleo na Bolívia.

Diante da empáfia dos estudantes e à vista dos repórteres, mostrou a porta da rua dizendo: "Há um ligeiro engano. Os senhores não são juízes nem eu sou réu. Enquanto não concluírem seus estudos e não devolverem à sociedade o custo do treinamento, os senhores são parasitas e não heróis nacionalistas". Ao relatar o episódio em seu livro "A Lanterna na Popa", Campos reconhece com a ironia habitual que "não podia esperar melhor troco"; na semana seguinte, seu "enterro" passou pela porta do BNDE, e a faixa de luto mais amistosa tinha os dizeres que abrem este artigo.

Poucos dias depois, perdido o suporte político do presidente, deixou a presidência do banco e "voltou à planície"...

Da mesma forma que em inúmeras outras ocasiões, Campos podia se orgulhar de estar pagando um elevado preço pela defesa intransigente da racionalidade e por sua falta de paciência com as manifestações de burrice que permeavam os debates sobre os temas econômicos. Em compensação, levava à loucura, em discursos e artigos, os pseudo-intelectuais engajados na defesa de soluções socialistas, "progressistas", nacionalistas ou estatizantes.

Podia se orgulhar, também, de ter sido o alvo de campanhas encomendadas e pagas com dinheiro de corporações estatais e até mesmo de empresas multinacionais quando, por exemplo, defendia o fim da reserva de mercado na informá tica, na exploração dos recursos minerais e na fabricação de latas ou a extinção dos monopólios de petróleo e telecomunicações. Sua pregação contra os monopólios inspirou textos memoráveis, de uma lógica perfurante e verve inigualável.

Para ele, as grandes estatais pertenciam à família dos dinossauros e, para elas, criou apelidos mordazes como "petrossauro", "telessauro" etc. Para a imprensa engajada, Roberto Campos era o "entreguista", e isso dizia tudo, dispensando-a de enfrentar os seus argumentos. Mas ele viveu o suficiente para assistir alegremente ao enterro dessas baboseiras e receber o reconhecimento de seus contemporâneos, numa certa medida sintetizado na manchete do Mais!, da Folha: "OK, Bob! Você venceu!".

Durante muito tempo, a imagem de polemista militante ofuscou a dimensão do homem público que, nos últimos 50 anos, participou do planejamento e/ou execução das etapas mais positivas do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

No segundo governo Vargas (1950-54), Campos já participava, como conselheiro econômico designado pelo Itamaraty, da elaboração de projetos de desenvolvimento que, pela primeira vez no Brasil, apresentavam uma visão conjunta de planejamento,
abrangendo análises dos setores de transportes, energia, indústrias básicas, agricultura etc. no âmbito da Comissão Mista Brasil-EUA. Daquela comissão saíram os documentos básicos que propiciaram a criação do Fundo de Reaparelhamento Econômico e do BNDE, que exerceram um papel básico na modernização da indústria brasileira iniciada no governo JK e na construção da infra-estrutura de transportes, energia e
comunicações.

Campos presidiu o banco e o Conselho de Desenvolvimento Econômico. No BNDE se instalaram os grupos setoriais que ajudaram a alavancagem da indústria automobilística, de equipamentos pesados, de construção naval etc., enquanto o conselho exercia uma espécie de coordenação do Plano de Metas.

Sua atividade pública está umbilicalmente ligada às fundações da moderna atividade industrial que permitiu ao Brasil deixar o rol dos países subdesenvolvidos nos anos 70. No governo Castello Branco (1964-67), Campos, no Planejamento, e Octávio Gouvêa de Bulhões, na Fazenda, fizeram uma das mais profundas e eficientes reformas dos setores-chave da administração, reorganizando as finanças públicas semidestruídas e impondo ordem nas contas estaduais.

Elaboraram a reforma tributária, recriando as condições que permitiam o financiamento do desenvolvimento econômico nos anos seguintes, a começar pela extraordinária ampliação da infra-estrutura de transporte rodoviário, portuária, de energia e de telecomunicações. Criaram as condições de alavancagem do mercado de capitais e o Banco Central para gerenciar a política monetária. Regularizaram a dívida externa e pagaram os atrasados comerciais herdados do caótico governo anterior. Criaram o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, em substituição ao instituto caduco da estabilidade que impedia a expansão da oferta de empregos com carteira assinada.

Lançaram as bases do Sistema Financeiro da Habitação, criando o BNH, que, ao longo dos 20 anos seguintes e até ser destruído, propiciou o financiamento da construção de moradias para 5 milhões de famílias das classes médias e pobre. Em resumo, a reorganização da administração econômica e financeira conduzida por Campos permitiu que o Brasil reencontrasse os caminhos do desenvolvimento, com estabilidade interna e externa. O país se desenvolveu extraordinariamente nos 15 anos seguintes, com o produto dobrando duas vezes, com notável expansão dos níveis de emprego e de salários, exportações crescendo 15% ao ano e com taxas de inflação declinantes.

Nossos registros históricos são geralmente omissos ou tragicamente facciosos em relação aos que efetivamente contribuíram para o progresso do país e o bem-estar de seu povo. Roberto Campos é, na segunda metade do século 20, um de seus maiores artífices, além de ser, seguramente, o mais genial inimigo da irracionalidade na condução das políticas econômicas. Apesar da incompreensão de muitos de seus concidadãos, ele viveu o bastante para ver um clarão de racionalidade iluminando a paisagem brasileira, para o qual ele contribuiu como poucos em sua geração, com sua lúcida visão de economista e sua magistral participação como escritor e polemista.

Há alguns anos, numa conversa com o grande intelectual Roberto de Oliveira Campos, no meio do tumulto que é sempre o plenário da Câmara dos Deputados, ele me disse com um ar nostálgico: "Delfim, perdi muito tempo com os economistas. Eu deveria ter aproveitado todo ele apenas estudando o Hayek!". Quando hoje, já velho, vejo as consequências não desejadas que acompanham a cega aplicação de princípios econômicos tidos como "científicos" sou levado a dar meia razão ao Roberto. OK, Roberto Campos, você venceu.

Bresser Pereira

PREFÁCIO A SOCIALISMO LIBERAL, DE CARLO ROSSELLI

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Prefácio do livro de Carlo Rosselli, Socialismo Liberal. Rio de Janeiro: Instituto Teotônio Vilela e Jorge Zahar Editor, 1997.

Carlo Rosselli foi um socialista democrático que, no início do século, lutou contra o fascismo, foi preso, escreveu no cárcere, entre 1928-29, este livro clássico sobre o socialismo e a democracia - Socialismo Liberal -, exilou-se na França, para afinal ser assassinado, em 1937, por agentes fascistas. Rosselli foi um social-democrata, que via o socialismo como um ideal a ser alcançado através de luta política permanente, mas que não o identificava com a coletivização dos bens de produção, nem aceitava a violência como um meio válido para atingir aquele ideal. Em termos concretos, o partido socialista mais próximo de sua visão de
mundo era o Partido Trabalhista Britânico. Identificado, entretanto, Rosselli nestes termos simples, uma questão imediatamente se coloca: por que socialismo liberal ou socialliberalismo ao invés de socialismo democrático ou social-democracia? O que distingue Rosselli dos revisionistas como Bernstein, Sorel e Mondolfo, que antes dele adotaram uma posição reformista ao invés de revolucionária, conservando-se socialistas e marxistas? E mais: qual a relevância desse ativista italiano para o Brasil, hoje, depois do colapso do comunismo e da crise do marxismo? A resposta mais geral a estas perguntas é ter sido Carlo Rosselli quem primeiro e mais coerentemente afirmou a consistência entre dois termos que foram sempre considerados contraditórios - liberalismo e socialismo -, que, segundo ele, se complementariam lógica e
historicamente. Norberto Bobbio, a quem provavelmente se deve mais do que a ninguém, a permanência de Rosselli no debate contemporâneo,1 sempre manteve o caráter contraditório das duas ideologias, afirmando que no máximo o que poderia haver entre ambas seria um compromisso. Rosselli, entretanto, é taxativo. Não se trata de compromisso. Segundo ele “o socialismo é o desdobramento lógico do princípio da liberdade... o socialismo - movimento de liberação concreta do proletariado - é o liberalismo em ação, a liberdade que se apresenta aos pobres” (p.128). Colocada a questão nestes termos, ou estamos diante de um equívoco monumental ou de uma descoberta importante, que ainda hoje tem enorme importância para o socialismo
democrático que identifico com a social-democracia. Os partidos socialistas democráticos romperam, neste século como o marxismo burocrático (que sempre se pretendeu “ortodoxo”), romperam portanto com as idéias de ditadura do proletariado e estatização dos meios de produção, adotando uma perspectiva nitidamente democrática, mas sempre se conservaram “antiliberais”, na medida em que o liberalismo era entendido como uma ideologia burguesa de não intervenção do Estado no plano social e econômico. Rosselli nega frontalmente o caráter burguês do liberalismo. Admite que, historicamente, o liberalismo tem uma origem burguesa, mas tem ao mesmo tempo uma origem revolucionária, na medida em que surge no século
dezesseis, com “o nascimento do pensamento crítico moderno” (p.128), sendo o seu princípio
fundamental o da liberdade. Na verdade, segundo Rosselli, o liberalismo escapou do controle da burguesia. Existe uma burguesia empresarial, produtiva, criativa, para a qual o liberalismo ainda faz sentido. Mas uma parte considerável dela transformou-se “(n)aquela classe (mais ainda: categoria social e categoria mental) que aufere a maior parte de suas rendas de capitais e privilégios acumulados... (essa) burguesia não pode ser mais liberal” (p.132). O proletariado é quem é o verdadeiro herdeiro do liberalismo e da democracia. Através do “método liberal e democrático” o ideal socialista será pouco a pouco alcançado. Nos anos 90, 60 anos após sua primeira publicação na França, o livro de Rosselli foi considerado suficientemente atual e relevante para ser publicado nos Estados Unidos.

Para compreendermos esta posição é preciso definir o que Rosselli entende por socialismo e por liberalismo. E antes disto, qual sua crítica ao “marxismo”, que, para ele, é, na verdade o oposto do liberalismo. Marxismo e Socialismo Os cinco primeiros capítulos de Socialismo Liberal são dedicados à crítica do marxismo ou do marxismo socialista e dos revisionistas que o criticaram mas não foram capazes de romper explicitamente com ele como o faz Rosselli. O autor não tem qualquer dúvida quanto à importância intelectual de Marx. Segundo ele, “não se concebe um homem moderno, com um sentido vivo dos problemas do seu tempo, que não seja, dentro de certos limites, marxista” (p.111). Certas descobertas de Marx, relacionadas com o materialismo histórico e a luta de classes, transformaram-se em patrimônio comum da humanidade. “Para os socialistas o problema não consiste em renegar Marx, mas em emancipar-se dele” (p.113).
Por que emancipar-se de Marx? Porque Rosselli define o “marxismo puro” ou o “marxismo socialista” como um sistema fechado e autoritário, dentro do qual o socialismo não é o resultado da vontade dos homens e de sua capacidade de luta, mas é uma necessidade histórica. O marxismo, para ele, é estritamente determinista: “o sistema marxista é determinista, ou não é marxista” (p.43). Na juventude Marx pode ter sido um humanista. Em certos trechos de sua obra madura é possível encontrar afirmações não deterministas, mas
estas são contraditórias. “No sistema marxista encontramos uma humanidade sui generis, composta por homens por definição não-livres... “O marxismo socialista ignora a liberdade, atribuindo-lhe um valor inteiramente relativo e histórico, confundindo sua essência eterna e imutável com manifestações transientes” (pp.45 e 153). Como era de se esperar, a prática desse tipo de socialismo pervertido será desastrosa.
Levou a um regime autoritário, burocrático e incompetente. Crítico de primeira hora da experiência comunista,2 Rosselli afirma em um texto de 1924, em que antecipou as idéias Entendo aqui “comunismo” não como a fase superior do socialismo prevista por Marx, mas como a corruptela burocrática e totalitária do socialismo ocorrida historicamente nos países deste livro: “as recentes experiências, todas as experiências destes últimos 30 anos, condenaram sem esperanças os programas socialistas originais. Espécie de socialismo coletivista, concentrador, o socialismo de Estado saiu daí desfeito. Acreditava-se que depois
da expropriação improvisada ocorrida em seguida à conquista revolucionária do poder político, transferidas todas as atividades para Estado que seria transformado no gerente universal (‘o governo das coisas e não mais das pessoas’), tudo caminharia para o melhor... Hoje ninguém mais, em consciência, crê em tais fabulazinhas... todos vêem os perigos enormes da burocracia”. Neste livro ele volta ao tema, referindo-se às experiências comunistas: “Todos reconhecem os perigos da elefantíase burocrática, da interferência estatal;
a ditadura da incompetência, o esmagamento da autonomia e liberdades individuais, a falta de estímulo nos dirigentes e executores” (p.136). O fracasso da experiência comunista estava, portanto, claro para Rosselli desde a primeira hora: não apenas consistia em uma deturpação do movimento socialista, mas era também uma forma de organização autoritária e ineficiente. Se Rosselli acertou na sua análise empírica, poderíamos, entretanto, considerar a visão de Marx por ele proposta reducionista. Rosselli sabe que o é. Mas percebe que definindo rigidamente o marxismo, ele pode criticar os revisionistas, que reviram e muitas vezes
violentaram Marx, pretendendo lhe serem sempre fiéis. Ora, isto, para Rosselli, é inaceitável. Como verdadeiro liberal, não aceita qualquer ortodoxia, qualquer dogmatismo. E era também para Marx. Conforme nos diz ele, “Marx não se esgota no marxismo, e sob muitos aspectos rejeita o marxismo” (p.59). Os revisionistas, entretanto, não tinham coragem de contrapor-se a Marx, de perceber o caráter intrinsecamente autoritário de sua teoria, queriam apenas interpretá-lo e reinterpretá-lo. Era preciso denunciar essa atitude, e defender o liberalismo, porque só assim seria possível efetivamente liberar o socialismo de seu caráter autoritário e assumir seu caráter essencialmente democrático: “O socialismo não é nem a socialização, nem
que se afirmaram socialistas, mas na verdade adotaram um sistema econômico estatal para lograr, através do domínio da classe burocrática, industrializar-se rapidamente e recuperar o atraso econômico em relação aos países desenvolvidos. Carlo Rosselli (1924) “Liberalismo Socialista”. Em Carlo Rosselli, Liberalismo Socialista e Socialismo Liberale (Salerno: Galzerano Editore, 1992, p.43). Artigo publicado originalmente
na revista editada por Piero Gobetti, La Rivoluzione Liberale, ano III, no.29, 15 de julho de 1924.

O proletariado no poder, nem a igualdade material. Em seu aspecto essencial, é a realização progressiva da idéia de liberdade e de justiça entre os homens” (p.120) Na medida em que o socialismo não é fruto da necessidade histórica, mas resultado da vontade democrática do movimento socialista, da luta da classe trabalhadora, o socialismo não é um sistema econômico e social, mas um ideal. Não um ideal utópico, não um ideal abstrato, mas um ideal in fieri, que resulta da luta incansável por um mundo mais livre e mais
justo. “O socialismo não é um ideal estático e abstrato, que algum dia poderá ser realizado completamente. É um ideal-limite, inatingível, que se realiza na medida em que consegue permear nossa vida” (p.124).
Liberalismo e Democracia A questão, portanto, é saber como chegar ao socialismo. E é aí que para Rosselli entra o liberalismo. O liberalismo não é um sistema fechado como o marxismo, é um “método”, um
forma de ver as coisas e sobre elas agir que se identifica com a democracia, tanto assim que Rosselli fala no “método liberal ou democrático” (p.137). Na verdade, liberalismo e democracia são para ele praticamente sinônimos. Os democratas modernos sabem bem que a democracia é antes de mais nada processual, é uma forma de governo constituída por normas ou leis que garantem aos cidadãos a liberdade de pensamento, de palavra, e de propriedade, e o direito de votar e ser votado, de participar ativamente do governo. É, portanto, um método de governo, que não nos diz o que o governo fará, apenas como será esse governo constituído e como tomará decisões. Ora, para Rosselli o método liberal “sob o aspecto político poderia
ser definido como um conjunto de regras que todas as partes interessadas se empenham em respeitar; regras destinadas a garantir a convivência pacífica dos cidadãos, das classes, dos Estados; a conter as disputas fatais e portanto indesejáveis dentro de limites toleráveis; a permitir a sucessão no poder dos vários partidos, canalizando na legalidade as forças inovadores, à medida que forem surgindo” (p.138). O método liberal de Rosselli, como a democracia enquanto método, não tolera atributos. Pode-se falar em liberalismo burguês ou
em liberalismo socialista, mas o método liberal “não é nem pode ser burguês ou socialista, conservador ou revolucionário” (p.138).

A identidade entre liberalismo e democracia, é, assim, plena para Rosselli. Mas ainda assim seu socialismo merece o nome “liberal” ao invés de simplesmente “democrático”. Em primeiro lugar, porque Rosselli tem clara noção da importância do individualismo, que é central para o liberalismo. Um individualismo que não é estritamente utilitarista, como o é o individualismo conservador, já que apenas a mola do interesse não levará ao socialismo, mas um individualismo segundo o qual “os problemas da justiça social e da vida coletiva podem e devem ser colocados no mesmo plano da liberdade e da vida individual” (p.126).Em segundo lugar porque Rosselli, embora jamais fale em mercado e em concorrência, que são dois temas centrais de qualquer liberalismo, fala que o método liberal está fundamentado “na idéia do desenvolvimento mediante contrastes que se superam continuamente” (p.126). Ora, esses contrastes se consubstanciam no plano político, na luta
entre as classes e grupos sociais, e nos conflitos nacionais, e, no plano econômico, na competição entre os agentes econômicos no mercado. A liberdade econômica, além da política, é portanto, fundamental para o liberalismo. Em seu artigo de 1924, Rosselli não deixa dúvida a respeito: “Para eles (os socialistas) a pura liberdade política e espiritual não tem sentido algum, quando não for acompanhada de uma relativa autonomia e liberdade econômica individual”.

Em terceiro lugar, Rosselli é liberal porque seu conceito de liberdade é radical, aberto, e ao mesmo tempo histórico. Não lhe interessa uma liberdade abstrata, ahistórica, que certo tipo de liberalismo conservador adota, mas uma liberdade situada no tempo: “O espírito liberal é essencialmente dialético e historicista; para ele a luta é a própria essência da vida... Para o liberal, nenhum princípio, nenhum programa, por mais mítico e antigo, pode assumir o sabor absoluto, categórico, que tem entre os socialistas (marxistas) seu programa finalístico” (p.134). A partir do método liberal, Rosselli chega à definição de liberalismo: “o liberalismo pode ser definido como a teoria política que, partindo do pressuposto da liberdade do espírito humano, vê na liberdade o fim supremo, o supremo meio, a regra máxima da convivência humana” (p.127). A partir dessa definição abstrata, Rosselli busca na história a realização de desse ideal, que nasce com o início dos tempos modernos e triunfará, por fim, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem. A partir esse momento a liberdade torna-se o valor central da vida social, inclusive e particularmente na esfera econômica. Esta liberdade econômica pode inicialmente responder aos interesses de poucos, mas, com o socialismo liberal, se tornará “efetivamente patrimônio de todos” (p.128).

A Relevância de Rosselli
Resta saber como chegar ao socialismo liberal. Rosselli não tem dúvida quanto à resposta: através do método liberal. Que é aberto, que não garante o socialismo, que só levará ao socialismo se a classe trabalhadora realmente o desejar. Não há nenhuma necessidade histórica para o socialismo, não é possível falar na demonstração racional, científica, do socialismo, como pretendeu o marxismo. Há, sim, um imperativo moral, um ideal de liberdade e justiça, que só se realizará através da luta incessante da humanidade: “O regime
socialista se realizará mas poderá não realizar-se. Realizar-se-á se nós quisermos, se as massas quiserem, mediante um esforço criador consciente” (p.147). Rosselli era otimista a respeito das perspectivas do socialismo liberal. O movimento operário, em todo o mundo, desde o início do século vinte, recusou a via revolucionária, da violência, da ditadura do proletariado. Preferiu as conquistas sociais graduais. No seu tempo não estava totalmente claro ainda que o marxismo ortodoxo desvincular-se-ia crescentemente da  classe trabalhadora e acabaria refém da burocracia, que implantaria na União Soviética e nos demais países comunistas um modo de produção estatal ou burocrático. Mas já estava claro que as massas rejeitavam essa solução pretensamente revolucionária. E o socialismo só poderia originar-se nas massas. Mas quando? A curto prazo? Não. Rosselli tem o socialismo como um ideal democrático, mas repudia a perspectiva utópica. Ele parte do movimento operário, que se tornou reformista porque “o proletariado sente com crescente clareza que não é mais verdade que tenha tudo a ganhar e nada a perder com uma catástrofe social” (p.57). Mais do que isto, os trabalhadores repelem o pensamento messiânico, que é essencialmente iliberal, e reconhecem, praticamente, as limitações que sofrem. O proletariado está “em situação de inferioridade moral e material” (p.134), e nestas condições não tem condições de assumir o poder. Rosselli poderia ter acrescentado que os burocratas tinham as condições mínimas que faltavam aos trabalhadores, e por isso sentiram-se qualificados para assumir o poder. Como, porém, lhes faltava legitimidade para tal, usaram o socialismo como bandeira e pretenderam ser a vanguarda da classe operária. Rosselli não diz isto, mas enfatiza que o socialismo democrático, liberal, só será possível com o desenvolvimento das forças produtivas. Em outras palavras, quando, através do desenvolvimento econômico e do aumento generalizado do nível de educação, os trabalhadores tiverem condições efetivas de participação na direção das empresas e do Estado,
na condução da vida econômica, social e política. Qual a relevância da visão de Rosselli para o capitalismo do final de século? E mais particularmente, de que forma podem suas idéias servir de inspiração para os socialdemocratas reunidos no Partido da Social-Democracia Brasileira, cuja fundação cultural publica este livro? Rosselli escrevia seu livro em pleno fascismo. Depois da primeira crise do marxismo, no início do século, que levara ao revisionismo e à social-democracia. O marxismo oficial enfrentaria uma segunda crise a partir dos anos 50, quando a repressão na Hungria e depois na Checoslováquia torna definitivo o caráter totalitário e burocrático da União Soviética. Esta crise, entretanto, não evitaria o florescimento de um marxismo nacionalista e desenvolvimentista, mas democrático, na América Latina, do anos 60 e 70, quando a esquerda estava em plena luta contra os regimes militares locais, que, aliados ao capitalismo local e multinacional, haviam embarcado também em uma estratégia desenvolvimentista. No momento, entretanto, que os regimes militares entram e crise, paradoxalmente também entra em crise a esquerda marxista, desenvolvimentista e nacionalista, na medida em que o Estado entra em crise. Uma crise da esquerda que se aprofunda com o colapso do comunismo em 1989. Rosselli escrevia no momento em que a crise de 1929 e a grande depressão dos anos 30 levaria o liberalismo e a direita, com a qual estava identificado, a uma crise profunda. Esta crise só terminaria quando, a partir dos anos 70, se desencadeia a crise do Estado por fatores
endógenos, relacionados com seu excessivo crescimento e sua crescente captura por grupos de interesse, e por um fator exógeno: a globalização da economia capitalista. Esta crise do Estado será uma a crise fiscal do Estado; será uma crise das formas de intervenção do Estado no econômico e no social - o Estado do Bem-Estar, o Estado Desenvolvimentista, e o Estado Comunista; será uma crise da forma burocrática de administrar o Estado. Será não apenas uma crise do marxismo ortodoxo e do comunismo, mas, em menor grau, também uma crise da socialdemocracia, que se identificou com o Estado do Bem-Estar. Diante da crise do Estado e das várias formas de intervenção estatal na economia, o liberalismo ressurge, a partir da pregação de intelectuais e políticos conservadores ultraliberais ou neoliberais (sinônimos). Rosselli escrevia em meio à crise do liberalismo, para resgatá-lo para a esquerda, para o socialismo democrático. Não havia, afinal, razão, a não ser de ordem histórica, para opor liberalismo e socialismo. Historicamente havia, na medida em que o socialismo marxista se opôs ao liberalismo burguês e propôs não apenas a revolução armada, mas a estatização dos meios de produção. Nada podia ser mais antiliberal. Entretanto, no momento em que vemos, seguindo Marshall, os direitos civis sendo definidos pelos liberais no século dezoito, os direitos políticos pelos democratas, no século dezenove, e os direitos sociais pelos socialistas, no século vinte, tornar-se claro que não há oposição mas complementaridade entre liberalismo, democracia e socialismo.5 Liberdade, participação política e igualdade podem em certos momentos entrar em contradição, exigirem compromissos, trade offs, mas a lógica que une essas idéias é antes complementar do que
conflitante. Rosselli foi um pioneiro, pensou antes do seu tempo. No final do século vinte, não há dúvida
de que o programa da esquerda social-democrática rumo ao socialismo tem que ser liberal e democrático. Liberal e democrático tanto do ponto de vista político quanto econômico. Já está claro que o estatismo, a tentativa de coordenar a economia pelo Estado, é ineficiente. Só faz sentido nos estágios iniciais da industrialização, quando a acumulação primitiva se impõe. Em contrapartida, a tentativa de excluir o Estado do social e do econômico, como propõe os neoliberais, é dogmática e irrealista - tão dogmática e irrealista quanto era a proposta do marxismo burocrático de eliminar o mercado da coordenação da economia. Está claro também que o socialismo é um ideal que só será alcançado quando a generalização da educação tornar
não apenas os homens mais iguais em termos de capacidade produtiva, mas também mais iguais em termos de capacidade de definir os rumos políticos das sociedades. Nunca escaparemos das elites econômicas, políticas e intelectuais, mas elas perderão poder relativo e abrirão espaço para o ideal socialista democrático na medida em que um Estado renovado e um mercado ativo logrem promover o desenvolvimento econômico, facilitem e obriguem competitivamente a generalização da educação, e transformem os cidadãos detentores de direitos em cidadãos que efetivamente exercem os direitos e obrigações de cidadania. O
socialismo não será o resultado do colapso do capitalismo, mas do seu êxito. E se, para o êxito do capitalismo, o liberalismo e a democracia são, ao mesmo tempo, fins em si próprios e meios efetivos de alcançar bons resultados, também para o socialismo o liberalismo e a democracia serão essenciais, como Carlo Rosselli tão bem viu no início deste longo século. Fevereiro, 1997
5 T.G. Marshall (1950) “Citizenship and Social Class”. In T.H. Marshall and Tom Botomore
(1992) Citizenship and Social Class. Londres: Pluto Press. Originalmente publicado em 1950.

Artigo do site de Luiz Carlos Bresser-Pereira